Crítica: “A Nossa Espera”

Imagine este cenário: um pai excessivamente dedicado a seu trabalho, se vê abandonado por sua esposa, cuja saúde mental se encontra diminuída por sua vida doméstica, que acaba por trabalhar quase o dobro de seu marido, e precisa partir ou senão se verá em uma situação de completo colapso.

Este resumo poderia ser aplicado à primeira parte de “Krammer vs Krammer”, um clássico dos anos 1970. No entanto, esta realidade continua sendo muito presente nos tempos atuais, a ponto de outros filmes abordarem essa relação machista do pai ausente em relação à criação dos filhos, dentro do casamento.

Um destes é “A Nossa Espera” (Nos Batailles), dirigido por Guillaume Senez. Olivier (Romain Duris) é um pai de família extremamente dedicado não só a seu trabalho, mas a defender as causas de seus colegas trabalhadores, e se mostra ausente do ambiente familiar. Laura (Lucie Debay), sua esposa, é obrigada a trabalhar e cuidar de seus filhos, e também do marido, o que leva a episódios de colapso, e por consequência a abandonar a família para que a situação não tome rumos ainda mais absurdos. Desta maneira Olivier tem que cuidar dos filhos, com a ajuda da mãe (Dominique Valadié) e ocasionalmente irmã (Laetitia Dosch), e acidentalmente comete mesmos erros que com sua esposa.

“A Nossa Espera” apesar de aparentar inspirações do roteiro de “Krammer vs. Krammer”, toma seu próprio caminho: em primeiro lugar, por não representar o retorno da mãe, mas as consequências e os conflitos resultantes desse abandono entre o personagem Olivier e seus filhos. Outro ponto interessante e divergente é como se representam as relações trabalhistas, e como estas impactam a vida do protagonista. O lado social é um grande foco do filme, e o fato de Olivier cometer continuamente os mesmos erros – até os semelhantes a seu pai -, é uma grande crítica social ao machismo.

As temáticas sociais, no entanto, são amarradas por um roteiro muito bom. O uso dos conflitos entre Olivier, seus filhos, sua mãe e irmã se dá de maneira realista e sensível, nos fazendo empatizar particularmente pelas mulheres que têm que fazer um trabalho que sequer seria delas, e das crianças que se veem numa situação completamente fora de seu controle. A evolução de Olivier também é feita de maneira verossímil, e sua procura por se redimir como pai e ainda assim manter sua luta pelo que acredita, traz um conflito eficiente.

As atuações são um ponto a se louvar: Romain Duris faz um retrato particularmente fascinante do pai de família tradicional e distante, com seus longos silêncios e distanciamentos, que se esfacelam durante a narrativa. Laetitia Dosch traz as emoções do artista incompreendido, e em uma única cena consegue sumarizar muitas emoções que farão com que aqueles que vêm de famílias que desaprovam ou duvidam de profissionais da arte sentam uma grande empatia. Basile Grunberger, como o filho merece um grande destaque, retratando muito bem a criança que precisa se tornar adulta antes do tempo, e tem uma atuação infantil muito sólida.

Entre pontos que poderá não agradar os espectadores pouco acostumados ao cinema europeu, está a falta de uma trilha sonora incidental, o que faz com que o filme utilize apenas seus próprios méritos de câmera e atuação para traduzir e reforçar as emoções. Além disso, o título tem um ritmo mais lento como típico deste mercado cinematográfico.

Por fim “A Nossa Espera” é um excelente retrato social de vários conflitos sociais ainda mal resolvidos em nossa sociedade atual. Para quem gosta de temáticas sociais, vale a pena ver.

por Ícaro Marques*

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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