Crítica: “Plano 75”

Antes de tecer comentários sobre algo, eu sempre procuro enxergar todas as suas vertentes. Quando penso na expressão “Melhor Idade”, comumente utilizada para definir o período iniciado após os 60 anos, em lugar do antes definido como “Terceira Idade” (ou mais grosseiramente, “Velhice”), acabo pensando no que há, realmente, de melhor nessa fase.

E, como em quase tudo, percebo que há duas faces nessa moeda: se, por um lado, não é improvável haver certa estabilidade conquistada no decorrer dos anos (seja financeira, familiar ou emocional), por outro, há as mazelas físicas, típicas de corpos cujo funcionamento não igual ao de anos atrás.

Mas, o que nos dá o direito de definir qual o limite para a finitude de uma vida? Qual o ponto máximo para afirmar que é hora de alguém encerrar sua trajetória, de maneira proposital? Esses foram os meus questionamentos após assistir a “Plano 75” (Plan 75), longa japonês que traz o etarismo como tema principal, para contar uma história passada em um Japão distópico, mas com uma assustadora proximidade de pensamento de parte da atual sociedade em que vivemos.

Escrita por Chie Hayakawa – que também está à frente da direção – e Jason Gray), a narrativa tem como protagonista Michi Kakutani (Chieko Baishô), que, no alto de suas quase oito décadas vividas, segue ativa, trabalhando como camareira em um hotel. Mas, sua pacata rotina é posta em risco, com a nova criação do governo, o chamado “Plano 75”, apresentado como uma tentativa do Japão de sair do topo da lista de países com maior envelhecimento do mundo.

Para tal feito, uma proposta é feita aos habitantes a partir de 75 anos: que estes cometam, voluntariamente, o chamado suicídio assistido, não importando suas condições físicas, mentais ou financeiras. Para o governo, o maior problema desses indivíduos resume-se a apenas uma palavra: idade.

O questionável programa de incentivo à morte oferece “benefícios” a quem aderi-lo, na forma de um pagamento (que, independente de números, segue como algo revoltante ao servir como estabelecimento de valor à vida). De maneira mais incisiva, as impiedosas alterações na arquitetura de espaços públicos mostram àqueles que não têm onde morar, que suas existências são ainda menos desejadas.

Esse panorama é mostrado ao público não só através dos olhos de Michi, mas também da cuidadora de idosos, Maria (Stefanie Arianne), que procura no país, por uma oportunidade de salvar a filha de cinco anos que precisa de uma cirurgia imediata. A jovem presta serviços ao governo, lidando com os que aceitam participar do Plano, antes, durante e depois da execução de suas eutanásias.

Assim como temos a perspectiva de Hiromu Okabe (Hayato Isomura), muito eficiente no quesito de mostrar apenas as supostas vantagens da aceitação da proposta do governo, a quem tenta segurar-se a qualquer fiapo de dignidade que lhe seja de direito. E de Yôko Narimiya (Yumi Kawai), cuja função lembra muita a de atendentes de centros que visam levar conforto a quem sofre, através de ligações telefônicas genéricas.

Não há nenhum ato de crueldade explícito – em imagens ou texto – mas, o incômodo provocado pela naturalidade com que se oferece a alguém nitidamente vulnerável, a possibilidade de dar um fim em tudo é algo aterrador.

Creio que, mesmo através de uma trama distópica, o propósito de “Plano 75” seja ode gerar debates reais, assim como me parece óbvio que alcançará seu intento. Ainda mais porque o assunto é de interesse a todos nós – embora boa parte das pessoas sinta-se confortável com a utopia da juventude eterna e julgue-se intocável e distante o suficiente da fase mostrada pelo filme.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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