Ainda que haja um número relativamente expressivo de editoras e selos relacionados a quadrinhos de heróis, parece certo afirmar que a popularidade maior caiu sobre os ombros de DC e Marvel. O que pode ser uma vantagem para personagens de outros panteões, que podem contar suas histórias sem ter o peso de precisar fazê-lo atendendo a uma vasta (e cada vez maior) lista de exigências de consumidores – prévios, ou não – de seus conteúdos.
Tal liberdade contribui grandemente para que “Hellboy e o Homem Torto” (Hellboy: The Crooked Man) chegue aos cinemas, trazendo uma narrativa que se aproxima com louvor dos quadrinhos originais de Mike Mignola, levando às telas a aura de terror – tão peculiar nas publicações impressas da Dark Horse – e exalando confiança em cada cena.
Dividida em três capítulos, a trama escrita por Brian Taylor (que também dirige a produção), Christopher Golden e, pelo próprio Mignola, se passa em 1959, nos Apalaches (Cordilheira na América do Norte) e mostra um jovem Anung Un Rama / Hellboy (Jack Kesy) já atuando no B.P.D.P. (Bureau de Pesquisas e Defesa Paranormal), em plena ação ao lado de sua companheira de trabalho, a parapsicóloga Bobbie Jo Song (Adeline Rudolph).
Quando a carga sobrenatural que transportavam se perde, eles acabam em um vilarejo desolado, que serve de palco para atividades de bruxaria que colocam a vida de seus moradores em constante risco.
No local, conhecem Cora Fisher (Hannah Margetson), tida como feiticeira pelos residentes das imediações. A personagem está no centro de duas das cenas mais impressionantes, envolvendo ótimos efeitos práticos (que se sobressaem em qualidade, quando comparados aos digitais), o que é um excelente acréscimo à produção.
A jovem tem seu passado ligado a Tom Ferrell (Jefferson White), seu amor de adolescência que, após se envolver com Effie Koob – , bruxa que atua diretamente com o vilão principal – sumiu por anos da cidade, tentando lidar com as consequências de se mexer com o ocultismo inconsequentemente.
A figura que impõe mais temor aos moradores é Jeremiah Witkins (Martin Bassindale), um homem avarento que viveu no Século 18 e que, após ser enforcado como punição por seus inúmeros crimes, torna-se uma espécie de demônio. Enviado de volta do Inferno, ele tem a execrável missão de coletar almas em troca de moedas de cobre (sim, mesmo morto, ele continua obcecado por dinheiro).
Caberá a Hellboy e uma improvável “equipe” – que também inclui o carismático Reverendo Watts (Joseph Marcell) – mandar Jeremiah de volta às profundezas, dessa vez em definitivo, antes que o mal se alastre de maneira irremediável.
Como trama paralela, ainda há espaço para se falar sobre a mãe de Hellboy, que ele não chegou a conhecer. A junção dos dois em tela conta com diálogos muito pertinentes quando se pensa sobre a obrigatoriedade de se respeitar / amar o que a árvore genealógica nos impõe.
Sai a montagem pensada para gerar blockbusters de ação (como foi o caso dos dois títulos dirigidos por Guillermo Del Toro, que, dentro de suas propostas são muito bons) e a tentativa de um reboot radical (caso da obra de 2019), para a entrada do folk horror, com todos seus elementos típicos que se equilibram entre simplicidade e eficácia.
Embora não haja grandes sequências que promovam sustos na plateia, a verdade é que isso nem seria necessário. Uma permanente aura incômoda se estabelece graças à fotografia de Ivan Vatsov que abusa de planos fechados e contribui para a sensação de claustrofobia imposta pelos poucos elementos da história. Tudo sob a boa trilha sonora de Sven Faulconer, que pontua, satisfatoriamente, os momentos marcantes.
Em recente declaração, Mike Mignola afirmou que todos seus momentos favoritos dos quadrinhos foram colocados nesta adaptação. Talvez seja o motivo de “Hellboy e o Homem Torto” ser, para mim, uma das melhores surpresas do ano, até aqui.
por Angela Debellis
*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.
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