Crítica: “Brinquedo Assassino”

Entre tantas riquezas culturais que a década de 1980 foi capaz de produzir (muitas ainda vigentes em dias atuais), há de se destacar o gênero terror nos cinemas. Mais do que isso, esta foi a época em que se tornou corriqueira a situação de ansiar por um filme que assustasse de fato, mas contentar-se com uma produção que também fizesse rir entre um susto e outro.

Assim, dirigido por Tom Holland, surgiu “Brinquedo Assassino” (Child’s Play) em 1988, franquia que conseguiu o grande feito de produzir sete filmes a partir da ideia original de Don Mancini que mostrava um boneco possuído pela alma de Charles Lee Ray (Brad Dourif), um serial killer que precisava de um corpo humano – no caso, o do garotinho Andy Barclay (vivido por Alex Vincent) para “voltar à vida”.

Com a motivação estabelecida, o que se viu em tela foi um estranho boneco ruivo (que de “Bonzinho” só tinha mesmo o nome), sem o menor limite ou pudor em exterminar quem se pusesse entre ele e seu objetivo – isso, é claro, devido ao sadismo do assassino que permaneceu intocado, mesmo agora estando em um pequeno corpo de vinil.

Na versão que chega aos cinemas em 2019, sob a direção de Lars Klevberg, parte da essência ainda está lá, principalmente na manutenção da aparência e do figurino de Chucky (embora suas expressões faciais estejam muito mais elaboradas) e no nome do garoto que o ganha de presente – que não é mais um menininho de 6 anos, e sim um pré-adolescente de cerca de 14 (interpretado por Gabriel Bateman).

Mas as semelhanças param por aí. Sai o boneco possuído para a entrada de uma inteligência artificial. Sai a tentativa de usar um corpo humano como “invólucro de alma” para a inclusão de um relacionamento entre amigos que beira o abusivo, graças ao ciúme excessivo de uma das partes.

“Buddi” é uma linha de brinquedos da qual Chucky (dublado por Mark Hamill na versão em inglês) faz parte e que tem como principal atrativo a capacidade de conectar-se aos mais diversos serviços fornecidos pela Kaslan Corporation, com comandos que vão de ligar a televisão a solicitar um carro inteligente através de um aplicativo. Mas, ao ter todas suas “travas” desativadas por um funcionário infeliz com seu serviço, abrem-se novas e perigosas possibilidades.

Tal amplitude poderia ser desenvolvida de maneira muito mais extensa e convincente, afinal, a ameaça simbolizada por figuras robóticas, frutos de tecnologias assombrosas, parece cada vez mais um risco real. Mas o tal controle exercido pelo boneco fica restrito “apenas” a atitudes que afetam um grupo pequeno de pessoas (todas do círculo social de Andy e sua mãe Karen – interpretada por Aubrey Plaza), mas sem riscos para a sociedade em geral – exceção feita para uma sequência nos instantes finais.

O longa não se furta em usar recursos bem característicos da franquia original, como sustos aleatórios e cenas bastante explícitas envolvendo o bom e velho sangue cenográfico. Esse é o ponto mais positivo da narrativa que, assim como os longas anteriores, não encontra seu gênero dominante, ora pendendo para o terror (trash), ora fazendo a plateia rir.

Para quem é fã do Chucky oitentista, a sensação ao término da exibição é estranha. Se tínhamos óbvia raiva do protagonista dominado pelo serial killer, dessa vez é mais fácil sentir pena do boneco em alguns momentos já que, ainda que por caminhos bem tortos, exagerados e questionáveis (e com um canção tema tão fofa quanto arrepiante), este parece querer ser – a seu modo – o tal amigo que sua imagem vende aos consumidores.

Vale conferir.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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