Crítica: O Juízo

Durante a Coletiva de Imprensa realizada no último dia 02, foi curioso ouvir Fernanda Torres falar sobre suas inspirações para criação do roteiro de “O Juízo”, o olhar dela sobre as belas paisagens mineiras que em um passado, nem tão distante, eram regadas a sangue de homens e mulheres escravizados. Um olhar para o que não pode ser esquecido. Fernanda embarcou nessa empreitada com toda família.

A trama do longa dirigido por Andrucha Waddington se inicia no passado, com o homem que um dia foi escravizado, Couraça (Criolo), buscando por abrigo para ele e sua filha. Ele está disposto a pagar pelo quarto, porém por pura ganância do senhor que o abrigou, ele é traído e paga um preço muito alto por simplesmente confiar em um homem branco.

Já no presente, a fazenda está inóspita e o casarão colonial abandonado há décadas. Entretanto é a última opção para reatar o elo familiar entre Tereza (Carol Castro), Augusto (Felipe Camargo) e o filho Marinho (Joaquim Torres Waddington).

Augusto, um homem abalado emocionalmente devido ao alcoolismo, herdou a propriedade de seu avô e pretende estabelecer ali seu novo lar. Contudo, o homem não desconfia do que a ambição de um de seus antepassados foi capaz de causar, há mais de duzentos anos.

Vale lembrar que “O Juízo” é um filme que se distancia do terror que estamos acostumados a ver nas maiores produções americanas focadas no visualmente horroroso ou no jumpscare. O longa é perturbador, mexe com o credo e com o imaginário, tudo é melancólico, cinza, velho ou lamacento, resultado do trabalho de fotografia de Azul Serra. A obra também faz refletir sobre ancestralidade, acerca da nossa construção social, e de toda história que nos trouxe até o momento sociocultural que estamos vivendo.

Esta é a estreia nos cinemas de Joaquim – filho de Andrucha e Fernanda Torres, e neto de ninguém menos que Fernanda Montenegro. O garoto, apesar de em alguns momentos trazer um excesso de apatia, consegue entregar o que é proposto ao seu personagem.

Outro ponto alto são as participações mais do que especiais de Fernanda Montenegro e Lima Duarte, que na produção são irmãos e possuem um envolvimento emocional e espiritual com Augusto, que vai necessitar estreitar esses laços para tentar entender o que o cerca.

Carol faz uma personagem carregada de emoção, juntamente com Felipe que está excepcional protagonizando o alcoólatra ganancioso que pretende arriscar a própria família. Quanto a Criolo, depois de o vermos dando vida a Couraça, fica impossível imaginar outra pessoa para tal papel.

O longa é mais uma produção nacional esplêndida que merece reconhecimento. Vale conferir.

por Carla Mendes

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

Comments are closed.