Crítica: “Renfield – Dando Sangue pelo Chefe”

Pense na inconcebível ideia de ter nascido / sido abandonado e crescido sozinho em uma selva ou ilha deserta (sem um bando de animais bacanas que lhe dessem o necessário, ou mesmo uma bola de vôlei com expressão amigável para lhe fazer companhia).

Essas, talvez fossem as únicas maneiras de nunca ter feito parte de alguma história marcante – para o bem ou para mal – envolvendo relações familiares, amorosas ou profissionais, afinal, parentes inconvenientes, parceiros ingratos e líderes que querem tirar até a última gota de sangue nossos corpos não são tão raros assim.

A trama de “Renfield – Dando Sangue pelo Chefe” (Renfield) trata, da maneira mais absurda, sanguinolenta e bem humorada possível, justamente do relacionamento de trabalho – iniciado na Transilvânia, em 1897, através do lançamento da obra-prima de Bram Stoker -, que liga o protagonista a um patrão que faria o próprio Narciso (ícone do exacerbado amor-próprio da Mitologia Grega) cobrir o rosto de vergonha.

Passada em Nova Orleans, em dias atuais, a narrativa nos apresenta o ex-corretor de imóveis, Robert Montague Renfield (Nicholas Hunt), como um tímido integrante de um grupo de ajuda, cujas reuniões semanais em uma igreja visam fazer com que seus membros passem a enxergar o quão prejudiciais certos vínculos são em suas vidas.

Durante os encontros, enquanto ouve aquele tipo de conselho amplamente divulgado em livros de coaching e pôsteres com imagens de animaizinhos fofos, Renfield segue realizando a função para a qual foi designada há séculos: ser um “familiar” (espécie de servo que realiza, principalmente, tarefas consideradas perigosas para um vampiro, como sair em plena luz do dia, em busca de vítimas, ou do que for preciso para suprir quaisquer que sejam suas necessidades).

Sim, há claras vantagens com a situação: como tornar-se um mortal muito mais resistente a ferimentos – quase, mas não um imortal de verdade – além de ser portador de uma força extrema, vinda da energia vital de insetos comuns (nojento, mas funcional).

Mas, ele está cansado da rotina de servidão e de sofrer com aquele tratamento típico aplicado por quem sabe estar acima da pirâmide social, por isso, decide livrar-se dos grilhões emocionais que o prendem ao chefe. Quem é seu empregador? Sim, ele mesmo: o mais celebrado / temido / revisitado vampiro da literatura clássica: o (não tão) bom e velho, Conde Drácula (Nicolas Cage).

Tal conflito de interesses se amplifica quando Renfield, em questão de dias, passa de herói anônimo a assassino procurado. É quando a participação da prestativa policial Rebecca Quincy (Awkwafina) acrescenta ainda mais graça e qualidade ao roteiro de Ryan Ridley e Robert Kirkman, que não têm o menor pudor em criar situações que riem da cara dos limites e brindam os espectadores com lutas envolvendo muito sangue e membros de corpos usados como improváveis (mas bem úteis) armas – o que contribui para sua classificação indicativa para espectadores a partir de 18 anos, no Brasil.

Para dar liga a essa receita maluca, acrescente a ação de uma perigosa gangue de narcotraficantes, liderada por Bellafrancesca (Shohreh Aghdashloo) e Tedward Lobo (Ben Schwartz), mãe e filho que tratam com assustadora naturalidade o fato da corrupção ser quase palpável nas ruas.

“Renfield – Dando Sangue pelo Chefe” é mirabolante, surpreendente e mais divertido do que eu esperava. Dirigido por Chris McKay, o longa reconhece seus pontos fortes logo de cara, inclusive ao fazer piadinhas que poderiam não ter a mesma graça em outros cenários, mas que parecem perfeitas quando ditas pelo elenco tão afinado da produção.

Destaque para a excepcional sequência de abertura e para detalhes cenográficos – como um simples capacho de porta de entrada, o nome da gangue de criminosos (que faz todo sentido para os fãs da literatura clássica de terror) e a sabedoria da escolha da música que toca durante os créditos finais,  composta em 1990, e que se encaixa como um formidável resumo do que espera Renfield daqui por diante.

Haverá continuação? Não sei. História para isso, claramente tem, afinal, em se tratando de vampiros e toda sua rica mitologia, a eternidade é só uma questão de tempo.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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