Crítica: “Indiana Jones e a Relíquia do Destino”

Uma das lembranças mais vívidas que tenho da minha infância é a de estar em frente a uma “moderna” televisão de 20 polegadas, assistindo (repetidamente) ao VHS do lançamento que foi pego na locadora do bairro. O filme me apresentou um professor / arqueólogo, em busca da Arca da Aliança. O título: “Os Caçadores da Arca Perdida”.

Esse foi o começo de uma já extensa caminhada, durante a qual o meu amor pelo personagem e por tudo que veio depois se mantém tão forte, quanto o instante em que sua silhueta em uma parede se tornou reconhecível para mim. Pensei que seria fácil fazer esse texto, mas não é, já que dizer adeus a quem amamos (mesmo que seja apenas na ficção), nunca será uma tarefa simples.

42 anos e muitas histórias depois (incluindo quatro títulos para o cinema, uma série televisiva e incontáveis livros /novelizações), a trajetória nas telonas do Dr. Henry Walton Jones Jr. chega ao fim, com a estreia de “Indiana Jones e a Relíquia do Destino” (Indiana Jones and the Dial of Destiny), produção que, supostamente, encerra a franquia iniciada em 1981, considerada por muitos, como a melhor do gênero aventura.

Na trama, vemos um Indiana (como sempre, brilhantemente interpretado por Harrison Ford) prestes a se aposentar de sua carreira acadêmica e com a vida pessoal marcada por perdas, afinal, como foi dito no longa anterior, ele está, mais do que nunca, em um ponto no qual a vida para de dar e começa a tirar.

Isso ganha uma dimensão ainda maior, diante da ambientação em que se passa a narrativa, durante a celebração da viagem bem sucedida que levou os primeiros homens à Lua, em julho de 1969. A sociedade, em geral, avança em direção ao futuro, enquanto Indiana pertence ao passado (profissional, emocional e literalmente falando).

Tal deslocamento fica mais evidente com a chegada de Helena Shaw (Phoebe Waller-Bridge), que, como seu padrinho, também tem formação em arqueologia e uma saudável predileção por artefatos históricos pouco usuais. Nesse caso, a Anticítera, mecanismo criado pelo matemático grego Arquimedes que, entre seus usos conhecidos e confirmados pela ciência, teria a capacidade de detectar fendas temporais.

O roteiro de David Koepp, John-Henry Butterworth e Jez Butterworth propõe ao veterano arqueólogo, uma última e inesperada busca, o que é um ótimo motivo para vermos em tela, o que há de mais marcante na franquia – seja através da linda fotografia de Phedon Papamichael (que tanto remete, ao trabalho de Douglas Slocombe, responsável pelos três primeiros títulos da saga); das sequências que mesclam com perfeição os momentos de ação, àqueles em que a emoção é realçada; ou da competente direção de James Mangold (também um dos roteiristas), que consegue encontrar o tom para que este derradeiro capítulo seja tão emblemático quanto “Logan”, outro primoroso trabalho com sua assinatura.

Assim como o antagonista da vez, Jürgen Voller (Mads Mikkelsen), que confirma a teoria de que é sempre muito gratificante ter nosso arqueólogo preferido combatendo o mal na forma dos seguidores do regime nazista. E a muito bem-vinda participação especial de John Rhys-Davies, reprisando o papel de Sallah, um dos grandes amigos de Indy e que nos faz pensar na importância de se construir relações de amizades verdadeiras em nosso caminho.

Embora funcione muito bem individualmente, “Indiana Jones e a Relíquia do Destino” torna-se ainda mais acertado quando visto como uma celebração a tudo que os fãs prévios puderam viver junto a quem foi eleito, em tantas ocasiões, como o melhor herói cinematográfico de todos os tempos. São detalhes, em especial, textuais, que surgem como pequeninas homenagens a cada uma das aventuras que nos foram apresentadas nos quatro filmes anteriores.

Há muito a se destacar, além da impecável dose de nostalgia empregada nos 154 minutos de filme. Entre tantos acertos, temos a sequência inicial que traz um Harrison Ford rejuvenescido digitalmente e nos faz relembrar o porquê parece tão fácil amar o personagem, desde que o vemos pela primeira vez. O uso da tecnologia (que se tornou um dos principais algozes de “O Reino da Caveira de Cristal”), aqui surge como um espantoso aliado.

Mas, talvez o maior trunfo da obra seja manter o protagonista como uma figura próxima do público, alguém crível, com falhas, deslizes e que, às vezes, tomará decisões equivocadas. Sem esconder as mudanças e limitações advindas da inexorável passagem do tempo, mas que nunca apagarão o legado e a importância de Indiana Jones.

Sob os inconfundíveis acordes de John Williams, me despedi do meu herói favorito. Daquele que me inspira a ser uma pessoa justa e tem me acompanhado em tantos pontos de minha vida. Que me trouxe boas amizades e sempre será quem meu coração (que, felizmente, segue batendo em meu peito, bem longe do “Templo da Perdição”) buscará quando precisar renovar as energias que a sociedade – ainda em sua incessante ânsia pelo progresso – insiste em me tirar, talvez pelo fato de sentir que, na verdade, eu pertenço a um museu.

Ser fã de Indiana Jones há tanto tempo (a quilometragem é alta), não me trouxe fortuna ou glória. Mas, através da franquia criada por Steven Spielberg e George Lucas, eu sei que, de alguma forma (replicando as palavras do Dr. Henry Jones em “A Última Cruzada”), encontrei iluminação. E isso, para mim, é mais do que suficiente.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

Comments are closed.