Assim como as garotinhas vistas no primeiro teaser oficial de “Barbie”, eu também não era das maiores entusiastas das bonecas que simulam bebês de verdade. Por isso, me lembro da emoção sentida ao abrir aquela caixa contendo um brinquedo totalmente diferente de qualquer outro que eu já tivesse tido.
Dentro da embalagem, havia uma réplica em miniatura de uma estilosa mocinha, com seu elegante macacão azul-marinho (uma blusa em tons mais claros por cima) e salto alto. Junto a ela, também havia uma cartela de acessórios, que incluía um lindo par de botas vermelhas, presilhas para seu cabelo loiro impecável e uma escova que parecia grande demais para suas mãozinhas plásticas, mas que se encaixava muito bem nas mãos da menininha que eu era na época.
Com o passar do tempo, percebi que eu não sonhava em ter sua aparência física ou suas roupas. Eu queria ser como a ideia que me venderam dela: uma mulher inteligente, generosa, boa amiga, independente, e capaz de enxergar a vida de maneira leve e confiante.
Muitos anos (e algumas bonecas) depois, me vi sentada em uma sala de cinema – com meus sapatos especialmente customizados com muito glitter para a ocasião (sinta o glamour em cor de rosa!) – para conferir, em live action, aquele mundo que tanto me encantou e que ainda faz meus olhos brilharem quando passo por alguma vitrine de loja de brinquedos – embora esteja longe do perfil típico de suas personagens.
Dirigido por Greta Gerwig (que também assina o roteiro junto a Noah Baumbach), “Barbie” poderia ser “apenas” a história de uma boneca que acredita que a vida em plástico é fantástica e que todos os dias serão os melhores, de hoje até a eternidade. Mas, o longa consegue ser muito mais do que isso, o que é ao mesmo tempo incrível e surpreendente.
A trama nos mostra a gloriosa rotina de Barbie (Margot Robbie feita para papel) na Barbielândia, um lugar onde tudo parece perfeito (até demais) e as mulheres / Barbies / bonecas assumem as mais variadas funções: de presidente a renomada escritora, de médica a jornalista vencedora do Prêmio Pulitzer.
Em contrapartida, os homens / Kens / bonecos do local não têm função alguma, a não ser ficar na praia. Pode parecer uma visão cruel / exagerada, porém, a verdade é que o Ken produzido pela Mattel – deste lado do portal – nunca teve sua história aprofundada, sendo sempre lembrado como “o namorado da Barbie”.
Com essa visão estabelecida, é fabuloso acompanhar a protagonista e perceber a preocupação que houve em recriar, não só o seu mundo perfeitamente plastificado e cor de rosa, como cada detalhe de sua movimentação “articulada” e a naturalidade com que reage à versão imaginária de coisas primordiais como água ou comida.
Tudo seria lindo, se não houvesse a interferência de humanos, é claro. E quando fatos estranhos começam a afetar os costumes impecáveis da personagem (auto-designada como “Barbie Esteriotipada”), é hora de embarcar em uma jornada ao Mundo Real, para encontrar a figura responsável pelas mudanças drásticas que resultam, entre outras coisas, em pés rentes ao chão – e nada adequados aos saltos altos que são uma de suas marcas registradas.
Para essa viagem, terá a inesperada companhia de seu namorado. Ele mesmo, Ken (Ryan Gosling mostrando o quão acertada foi sua escalação para ao papel). Buscando por respostas diferentes, a dupla vai descobrir que, fora dos limites da Barbielândia, as coisas não têm um brilho genuíno (literal e metaforicamente falando) e o quanto isso impactará o que eles conheciam como realidade.
Há muita coisa para se falar sobre “Barbie”, mas esse é o tipo de filme que, quanto menos se souber, mais se aproveitará. O que foi mostrado nos vários vídeos oficiais divulgados previamente é mais do que suficiente para incentivar a ida ao cinema.
Classificar a obra como indicada apenas a alguns tipos de público é tão raso e cruel quanto definir alguém apenas por sua aparência física (coisa que muitas vezes acontece, inclusive, com a protagonista). Então, é hora de pensar fora da caixa, afinal, dar uma chance de conhecer – além da primeira vista – não só pode ser libertador, como acaba gerando uma experiência enriquecedora na maioria das vezes, como ocorre neste caso.
Mas, cabe destacar o trabalho exemplar do elenco que parece genuinamente confortável e feliz em seus papéis – com todo exagero que lhes cabem -, a maravilhosa narração de Helen Mirren, além da quase inacreditável cenografia que nos incute o imediato desejo de ter um escorregador que nos leve do nosso quarto para uma piscina cristalina.
A cereja do bolo é a excelente trilha sonora que, entre outras boas canções, traz duas joias: “Dance the Night”, de Dua Lipa – que dá ritmo a uma sequência ótima passada no salão de festas da Dreamhouse – e a emocionante “What was I made for?”, de Billie Eilish, cuja letra e melodia embalam um dos grandes momentos da produção, que deve emocionar boa parte dos espectadores.
“Barbie” tem 114 minutos de muitos acertos: piadas eficazes, críticas certeiras, reflexões necessárias e um dos finais mais inesperados / legais dos últimos tempos.
Imperdível.
por Angela Debellis
*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.
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