Crítica: “Nefarious”

Algumas obras (sejam filmes, séries, livros, quadrinhos ou peças teatrais) são concebidas de modo a não deixar margem para mais de uma interpretação. O que significa que, após consumi-las, dificilmente o público terá material para criar teorias sobre o que pode haver nas entrelinhas de seus conteúdos.

Por outro lado, há produções que remam para a outra margem, aquela que abre espaço para que, dependendo da bagagem de cada um, haja um entendimento e, muitas vezes, a mesma história ganha contornos distintos, conforme a percepção de quem a vê.

É o que caso de “Nefarious” (Nefarious), vendido como um longa de terror, mas que pode não ser assim considerado por parte dos espectadores, embora tenha como mote principal uma suposta possessão demoníaca.

Baseada no livro humorístico de ideologia política “A Nefarious Plot”, do apresentador de talk-show americano Steve Deace (lançado em 2016), a trama se passa durante as horas que antecedem a execução de Edward Wayne Brady (Sean Patrick Flanery), condenado à cadeira elétrica por uma série de assassinatos – nem todos confessos.

Pela lei do estado americano de Oklahoma, é preciso que o detento seja considerado mentalmente são, a fim de se executar a sentença. Para dar o laudo definitivo, convocam o Doutor James Ansel Martin (Jordan Belfi), psiquiatra ateu que, sob as orientações do diretor do presídio, Tom Moss (Tom Ohmer), já chega ao local ciente do quanto Edward pode ser convincente em suas manipulações mentais.

Escrito e dirigido por Cary Solomon e Chuck Konzelman (dupla que também assume os papéis de roteiristas ao lado do autor da obra original, Steve Deace), “Nefarious” segue a linha de produtos de baixo orçamento que contam com uma história que seja interessante (ou pelo menos chamativa) o bastante para se sustentar.

Com a ação se passando quase em sua totalidade dentro das instalações do presídio – em especial na sala na qual os protagonistas são colocados frente a frente, para que seja feita a avaliação clínica que definirá o futuro de um deles – cria-se uma incômoda sensação de sufocamento, como se não houvesse nenhum lugar para onde olhar e encontrar algum raio de luz e/ ou esperança.

Tal sentimento cresce com o avanço do diálogo que alterna entre Edward – afirmando ser apenas uma marionete / o próprio demônio que dá nome ao filme – e James, pondo em dúvida a descrença quanto à religião e suas vertentes, diante de revelações que seriam impossíveis de serem feitas por quem não o conhecesse intimamente.

O desconforto também é provocado pelas flutuações de personalidade que acometem o prisioneiro. Se em um momento ele afirma estar sendo vítima de uma entidade demoníaca que o obrigou a cometer atos que não gostaria, em outros, quem aparentemente assume o comando é Nefarious, com declarações que mostram seu desprezo pela raça humana e seu Criador (visão dentro dos preceitos cristãos).

Apesar de ter uma classificação etária baixa (12 anos), devido à ausência de violência gráfica ou termos inadequados, “Nefarious” não deve conquistar um grande público – principalmente se a procura for por um título que provoque medo através de sustos fáceis ou que tenha uma narrativa acessível. Aqui, o temor é bem mais abrangente (mesmo debaixo de uma capa de simplicidade). E isso é o que assusta de verdade, pois, como dito em uma cena da produção, “a maldade não é um diagnóstico clínico”.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

Comments are closed.