Crítica: “Zona de Interesse”

“Zona de Interesse” (The Zone of Interest) marca o mais recente trabalho de Jonathan Glazer, conhecido por seus filmes como “Sob a Pele” (2013) e “The Fall” (2019). Baseado no livro britânico homônimo escrito por Martin Amis, o filme é dirigido e roteirizado por Glazer, oferecendo uma visão íntima da vida cotidiana do povo alemão na década de 1940. Mais especificamente, ele nos leva à rotina da família de Rudolf Höss (interpretado por Christian Friedel), um dos comandantes nazistas responsáveis pelo extermínio do campo de concentração de Auschwitz.

A obra se distancia do convencionalismo cinematográfico, apresentando uma abordagem experimental, profunda e visceral. Desafia o espectador a preencher por conta própria os aspectos perturbadores que são sugeridos, mas não expostos diretamente. Seu objetivo principal não é apenas retratar as atrocidades cometidas pelo exército nazista durante a Segunda Guerra Mundial, mas sim, explorar a essência humana em sua totalidade.

Um dos aspectos mais marcantes do longa é sua abordagem sonora, que se destaca como um elemento fundamental e magistralmente elaborado. A história retrata a vida aparentemente tranquila de Rudolf e sua esposa Hedwig, interpretada de maneira brilhante por Sandra Hüller, indicada ao Oscar de Melhor Atriz por seu papel em “Anatomia de uma Queda”. Hüller entrega uma atuação impressionante, transmitindo com maestria a crueldade e o desdém pela humanidade, desde as humilhações aos empregados até os comentários insensíveis sobre as roupas obtidas de mulheres judias.

Cada cena é uma jornada pela normalização do horror, desde a simples experimentação de um casaco de pele até as discussões sobre a eficiência da carbonização dos judeus, que são retratadas como decisões orçamentárias banais, porém, profundamente perturbadoras. A dinâmica de poder familiar entre Rudolf e Hedwig é habilmente explorada, revelando as complexidades das relações dentro do núcleo familiar, além dos desafios na criação dos filhos.

Em “Zona de Interesse”, cada detalhe importa. Cada celebração, narrativa, momento de refeição e conversa ao longo de seus mais de 90 minutos tem sua relevância, sempre contrastando com a presença constante da morte, do sofrimento e da destruição da vida humana ao fundo. O filme nunca permite que haja uma separação entre a vida familiar, aparentemente comum, e a brutal realidade que a cerca. Desde a primeira sequência, com sua tela preta e o crescendo da trilha sonora, a obra convida o espectador a mergulhar nesse universo desconfortável.

 

A trilha sonora é tão impactante que é possível afirmar que sua presença preenche o papel de coadjuvante na narrativa. Em todos os momentos é possível ouvir gritos, tiros e fumaças, e cabe ao espectador compreender aquilo como peça importante em uma história já muito bem retratada.

Em resumo, “Zona de Interesse” oferece uma experiência cinematográfica impactante, capaz de provocar um profundo desconforto e desafiar nossas concepções sobre a realidade e a moralidade humana em uma sociedade conivente com a crueldade. Sem dúvida, é um dos melhores longas do ano, merecidamente reconhecido com cinco indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme.

por Artur Francisco

*Texto originalmente publicado no site CFNotícias.

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