Crítica: “O Menino e a Garça”

Celebrado como um dos nomes mais proeminentes na história das animações, o diretor Hayao Miyazaki deixou os fãs do Studio Ghibli atônitos ao anunciar sua aposentadoria. Esse evento faz com que seu mais recente longa “O Menino e a Garça” (Kimitachi wa dô ikiru ka / The Boy and the Heron) carregue o peso de ser um dos últimos filmes do diretor que fez o mundo enxergar as animações japonesas com muito mais seriedade ao conquistar um Oscar com “A Viagem de Chihiro”.

O trabalho mais recente de Miyazaki e seu estúdio não faz feio e entrega aos espectadores uma tocante jornada de aceitação nos moldes do que os admiradores do Studio Ghibli já estão familiarizados a consumir.

Na trama, conhecemos Mahito (voz de Soma Santoki na versão original e Luca Padovan, em inglês), um garoto de 12 anos que perdeu sua mãe em meio a um incêndio durante o período da Segunda Guerra Mundial. Após esse trágico evento, Mahito, junto a seu pai Shoichi (Takuya Kimura / Christian Bale), muda-se para uma cidade do interior, local onde o garoto tem que lidar com a perda de sua mãe, adaptar-se à nova rotina do local e aceitar o casamento de seu pai com Natsuko (Yoshino Kimura / Gemma Chan) – que, por acaso, é sua tia materna.

Em meio a esse processo turbulento, Mahito começa a ser incomodado por uma garça falante (Masaki Suda / Robert Pattinson) que afirma com convicção que conhece um lugar onde sua mãe o espera viva. Desconfiado, o garoto reluta em seguir o estranho pássaro, porém, acaba sendo forçado a ingressar em uma jornada fantástica para salvar sua madrasta, que se perde em meio à floresta nas dependências de sua nova casa.

De modo geral, é possível dividir os filmes do Studio Ghibli em dois estilos de narrativa: aqueles que se passam inteiramente em um mundo fantasioso e aqueles em que a fantasia invade o mundo real e interage com pessoas em vidas mundanas. “A Viagem de Chihiro” faz parte dessa segunda organização narrativa, assim como “O Menino e a Garça”.

Justamente por esse fato, encontramos diversas similaridades entre as duas obras, sendo a mais marcante o processo de ambos os protagonistas passarem por uma jornada em um mundo fantástico, para lidar com traumas adquiridos no mundo real. No caso de Mahito, seu processo de luto o leva a uma espécie de pós-vida alegórico, no qual o tempo se distorce, e, nesse local, o garoto encontra as ferramentas necessárias para lidar com sua própria dor.

A fotografia e direção de arte da animação estão maravilhosas, com paisagens extremamente detalhadas e frames que poderiam tranquilamente ser emoldurados e pendurados na parede como quadros. O cuidado é tamanho que conseguimos ver as pinceladas em algumas das imagens estáticas que aparecem em tela.

Os personagens, em geral, são extremamente carismáticos. Os humanos são expressivos e de fácil identificação, enquanto os habitantes do mundo fantasioso são diversificados, sendo alguns fofos e simpáticos, e outros com designs bizarros e assustadores, que nos remetem a animações mais adultas (como “Akira”, por exemplo).

A trilha sonora que embala a direção de arte não é tão marcante quanto a de outras obras do Studio Ghibli, mas funciona para ambientar os cenários e direcionar a sensação do público, seja de urgência ou calmaria.

Em linhas gerais, “O Menino e a Garça” é uma grata surpresa e um forte concorrente ao Oscar de Melhor Animação de 2024, com uma trama que remonta aos maiores clássicos do Studio Ghibli. Os grandes atrativos são a qualidade da movimentação dos personagens e a direção de arte impecável.

O único elemento que talvez desagrade aqueles que não estão familiarizados com as obras de Miyazaki é o ritmo cadenciado do longa, que não tem pressa de trabalhar o mundo real, antes de adentrar a fantasia.

Se este realmente foi o último filme do mestre Hayao Miyazaki, os fãs podem considerar sua carreira como impecável, pois, esta obra fecha com chave de ouro o catálogo desse gênio das animações japonesas.

por Marcel Melinski – especial para EOL

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Sato Company.

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