Crítica: “As vezes quero sumir”

Estar “fora da ação” do que é esperado pela sociedade em geral é doloroso. Mas, com o passar do tempo, acabamos nos acostumando a observar (mantendo certa distância emocional / física), sem nem mesmo desejar alguma mudança, apenas encarando nossa própria realidade.

É claro que isso é bem mais profundo do que é possível descrever em um parágrafo (ou mesmo em um texto inteiro), mas “Às vezes quero sumir” (Sometimes I think about dying) o faz de uma maneira bastante eficaz.

A narrativa nos apresenta Fran (Daisy Ridley, também uma das produtoras do longa), moradora de uma cidade litorânea dos Estados Unidos, que trabalha em um escritório sem grandes atrativos, junto a um reduzido grupo de pessoas que são, basicamente, um resumo do que encontramos nesse tipo de ambiente.

Embora haja uma tênue intenção da protagonista em, de algum jeito, fazer parte dessa equipe, é nítida a existência de um muro emocional que a separa dos demais. É quando o público começa a questionar o que há com ela: um grave quadro depressivo? Um temperamento naturalmente melancólico? O resultado de algum trauma (de infância ou de relacionamentos – amorosos, profissionais, familiares – anteriores)?

Nenhuma dúvida é esclarecida e nem precisaria ser. Basta saber que Fran, assim como a maioria dos indivíduos que se veem presos a essas correntes imaginárias, às vezes pensa em morrer. Quando tais pensamentos ganham a tela, existe uma clara substituição da monótona paleta de cores que domina a rotina da personagem, por tons mais quentes, que, inversamente ao desejo que os compõem, lhes dão vida.

Coisas triviais tornam-se fardos para Fran. A despedida de Carol (Marcia DeBonis), uma colega que vai se aposentar (cuja história oferece inesperadas camadas nos instantes finais da produção); uma reunião para apresentar Robert (Dave Merheje), o novo funcionário, que vai se tornar o mais parecido de algo que possa ser chamado de interesse amoroso; a decisão de ir a uma festa ou a uma sessão de cinema. Até fazer refeições diferentes pode ser problemático (e altamente entendível para aqueles que vivem quadros semelhantes).

Adaptada da peça teatral “Killers” de Kevin Armento (que escreve o roteiro junto a Stefanie Abel Horowitz e Katy Wright Mead), a obra (dramática / cômica / romântica) acerta ao se apegar a pequenos detalhes como o fato de Fran estar, quase sempre, com um dedo na frente dos lábios – uma alusão física ao seu silêncio.

Ou a pungente percepção de que a jovem teria muito a compartilhar com os outros, pois, não apenas mostra-se competente em seu trabalho, mas também é sagaz em outros pontos (como na sequência em que participa de uma espécie de jogo de detetive).

A direção de Rachel Lambert se pauta na manutenção desse sentimento ambíguo, que nos faz simpatizar (e talvez até nos identificar em algum momento) com Fran, ainda que pouco saibamos sobre ela.

“É difícil ser uma pessoa”. Parece-me que a frase dita durante um diálogo do filme, resume com perfeição “Às vezes quero sumir”. Tal qual a escolha da canção que toca durante os créditos finais, que será facilmente identificada pela grande maioria dos espectadores e cuja letra diz muito a respeito das nuvens cinzentas que dominam os pensamentos de quem sente nem sempre pertencer a lugar algum.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

Comments are closed.