Crítica: “A pé ele não vai longe”

Ao ver que o roteiro de “A pé ele não vai longe”(Don’t worry, He won’t get far on foot) incluía os temas alcoolismo e tetraplegia, imaginei que o filme pudesse enveredar para o lado dramático mais pesado, que fosse uma daquelas obras que deixam o espectador até mesmo desconfortável diante da impotência perante os assuntos tratados.

Mas, diferente do que pensava, o longa dirigido por Gus Van Sant se mostra uma bem sucedida tentativa de se levar às telas outra vertente, na qual, apesar de tudo, ainda é possível esboçar sorrisos e acreditar em um futuro mais promissor.

A narrativa nos apresenta o jovem John Callahan (Joaquin Phoenix), que tem o consumo excessivo e constante de álcool como uma espécie de mola propulsora em sua vida. A visceral dependência de bebidas e o visível desespero ao se constatar a aproximação da sobriedade após algumas horas sem embriagar-se, chocam, incomodam e fazem pensar em como o quadro é terrível não só para quem o vive, mas para as pessoas à sua volta.

Entre as tantas ocasiões em que consegue criar uma justificativa para fazer uso de álcool, Callahan conhece o também alcoólico Dexter (Jack Black) e junto a ele sofre um grave acidente de carro que o faz perder quase a totalidade de seus movimentos. A sequência passada no centro de reabilitação, que mostra os primeiros dias após seu diagnóstico de tetraplegia, é uma das mais marcantes da produção. É o momento em que percebe o quanto perdeu por suas decisões equivocadas.

Acompanhar o personagem em sua penosa incursão de volta à sobriedade leva a plateia a, de algum modo, se importar com ele. Tal jornada é conduzida por Donnie (Jonah Hill), uma espécie de mentor espiritual – também frequentador do grupo de apoio para dependentes. Enquanto um justifica seus erros por ter sido abandonado ainda bebê por sua mãe biológica, o outro sempre levou uma vida bem mais abastada, sendo herdeiro de grande fortuna, e ainda assim, os dois têm um passado com o abuso de álcool em comum.

Apesar de ter certas objeções a histórias que não se passam de maneira linear, dessa vez acho que foi uma boa escolha. Ao intercalar as situações, com o protagonista já cadeirante há anos, com outras que mostram sua rotina antes do acidente ou como teve que adaptar-se à nova e inesperada realidade, o filme ganha um ritmo que consegue sustentar-se até o fim.

Também vale destacar o recurso gráfico que transforma alguns dos cartuns mais famosos de Callahan em pequeninas animações, o que transporta o trabalho do cartunista do papel para as telas de cinema, mantendo a essência ácida – e na maioria das vezes politicamente incorreta – de suas criações.

Joaquin Phoenix repete a parceria com Rooney Mara (no início do ano, protagonizaram o longa “Maria Madalena”) e, embora dessa vez a atriz seja pouco mais do que uma coadjuvante, sua personagem Annu mostra-se importante em todos os momentos em que surge em cena.

Enfim, “A pé ele não vai longe” acaba sendo uma boa opção para quem procura por filmes de superação baseados em fatos reais. Não há nenhuma cura milagrosa ou final de contos de fada (a vida real é bem menos acalentadora do que isso), mas ainda assim, é possível sentir-se satisfeito com o desenrolar das situações durante a narrativa.

Vale conferir.

por Angela Debellis*

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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