Crítica: Judy – Muito Além do Arco-Íris

Não parece exagero afirmar que, seduzidos pelo encantamento produzido pela indústria cinematográfica, os espectadores (boa parte, pelo menos) se veem naturalmente levados a pouco questionar sobre o que acontece nos bastidores das produções – sejam elas relevantes para a indústria ou de pouco destaque.

Quando “Judy – Muito Além do Arco Íris” (Judy) nos mostra a que calvário a jovem Judy Garland (neste momento do filme, interpretada com competência, por Darci Shaw) foi submetida durante as gravações do aclamado musical “O Mágico de Oz”, em 1939, parte do brilho dourado da estrada de tijolos amarelos se perde.

Ao vermos a adolescente ser humilhada verbalmente e obrigada a ingerir pílulas que a mantinham acordada, a fim de aguentar o ritmo quase insuportável das filmagens, passamos a questionar se era mesmo o Homem de Lata que precisava de um coração para bater em seu peito.

Com essa fase servindo de base para contar o que aconteceu à atriz na vida adulta (quando passa a ser magistralmente interpretada por Renée Zelwegger, ganhadora de diversos prêmios pelo papel e que concorre ao Oscar de Melhor Atriz), o longa dirigido por Rupert Goold relata de maneira intensa e comovente a derrocada de Judy Garland, provocada, em parte, por sua dependência de álcool, remédios e por seu temperamento difícil.

A narrativa mostra a atriz/cantora em franca decadência, quando sua presença não é mais almejada pelo grande público americano – o que faz com que aceite apresentações menores, que mal são suficientes para pagar despesas regulares, muito menos para dar uma vida digna a seus dois filhos pequenos, Lorna (Bella Hamsey) e Joey (Lewin Lloyd). Nesta época, sua primogênita, Liza Minnelli (Gemma-Leah Devereux), já era adulta e tinha independência financeira.

É quando Judy, ainda que contrariada, aceita partir para Londres, a fim de realizar uma espécie de turnê individual. Na capital inglesa, ela ainda é tratada como grande estrela e seus espetáculos conseguem atingir a lotação máxima todas as noites, até que, mais uma vez, tudo é colocado a perder.

Seu emocional permanece quebrado e é doloroso acompanhar suas várias noites de insônia, seus pesadelos com fatos do passado, sua triste relação com a comida – também fruto da época em que era proibida de se alimentar corretamente, porque não poderiam ter uma protagonista que oscilasse de peso durante as gravações.

Há um visível acerto ao transportar para a tela tanto o lado humano quanto o profissional de Judy. Não cabe nenhum julgamento de valor sobre como ela deveria ter administrado o dinheiro que ganhou durante sua carreira – esta sempre mal assessorada por maridos e agentes de índole duvidosa. Assim como é missão complicada não se sensibilizar diante de uma mãe que, por amar seus filhos e querer o melhor em sua criação, precisa abrir mão de suas companhias.

Roteirizado por Tom Edge, o drama conta com vários números musicais que se encaixam de maneira perfeita na história e que devem levar os fãs da atriz às lágrimas, seja pelo saudosismo em ver suas performances – lindamente representadas por Renée – ou pela força das letras de cada uma de suas canções – com óbvio destaque para “Somewhere Over The Rainbow”.

Judy Garland faleceu em 1969, com apenas 47 anos, meses após os acontecimentos vistos neste filme. E, ao término da exibição, ainda sob o efeito de muitas lágrimas derramadas, meu desejo é que, apesar do encerramento tão precoce de sua vida, ela tenha tido, por fim, a chance de alcançar algum lugar sobre o arco-íris, onde os céus são azuis e os sonhos que você ousa sonhar realmente se tornam realidade.

Imperdível.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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