Crítica: Os Orfãos

Algumas obras conseguem, mesmo depois de décadas de seu lançamento, manter-se relevantes a ponto de emergir como tema central de diversas adaptações. Este é o caso de “A Volta do Parafuso”, um conto de fantasmas escrito por Henry James em 1898, que já teve versões para o cinema, teatro, rádio e televisão (sendo as mais conhecidas, a montagem de 1950 da Broadway e a versão cinematográfica de 1961, “Os Inocentes”) e que servirá como base para a segunda temporada da série “A Maldição da Residência Hill”.

A história calcada firmemente no gênero da literatura gótica acaba de ganhar, mais uma vez, as telas de cinema, com a estreia de “Os Orfãos” (The Turning), terror que, embora faça uma óbvia tentativa de provocar o mesmo “incômodo” causado pelo texto de Henry James, falha na maior parte do tempo, inclusive por muitas mudanças em relação ao conto original.

A narrativa sofre uma alteração na época em que se passa e agora os acontecimentos ocorrem em 1994 – período confirmado pelo fato do suicídio do vocalista da banda Nirvana, Kurt Cobain, ser manchete dos noticiários televisivos – o que significa que as modernidades tecnológicas da atualidade (entenda-se celulares e Internet) não estão presentes para facilitar a vida de nenhum personagem. Também existe a manutenção de uma fotografia que pende para cenas com baixa iluminação, o que é uma ótima alternativa para manter os percalços e o clima soturno.

Com poucas figuras em tela, o longa dirigido por Floria Sigismondi tem um trio de protagonistas formado pela professora de educação infantil, Kate (Mackenzie Davis), que é contratada para trabalhar como babá dos irmãos Flora (Brooklynn Prince) e Miles (Finn Wolfhard), órfãos que vivem em uma tão suntuosa quanto assustadora mansão, junto à misteriosa governanta Srª Grose (Barbara Marten), que não parece muito inclinada a auxiliar a nova funcionária.

Por si só, a história já parece exaustivamente batida, mas a situação se agrava quando vemos a presença de vários (e pouco eficientes) clichês para mostrar que há mais do que se supõe à primeira vista, escondido entre as paredes da residência. Cabe ao espectador, acompanhar Kate em sua busca por informações prévias que levem a algum entendimento do que de fato se passa no local – ainda que essa busca vá pouco a pouco minando suas forças físicas e mentais.

Roteirizado por irmãos Chad e Carey Hayes, o longa é feito de pequenos momentos que funcionam, graças à boa interpretação do elenco, mas isso parece pouco para sustentar os 94 minutos de projeção. Ainda que a obra original arrisque-se em entregar um final em aberto, incitando o leitor a ter sua própria interpretação (sem que esta seja confirmada como correta em momento algum), o filme peca ao fazer uso de uma sequência final que parece ter sido concluída antes do tempo – tanto que nem mesmo entendi em um primeiro momento que aquele era o encerramento real.

Difícil afirmar que muito mais poderia ser feito, mesmo que houvesse uma interpretação mais literal do texto de 1898, o que não diminui o problema da plateia ficar com a sensação de que algo fundamental foi deixado de lado, ao acender das luzes.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

Comments are closed.