Crítica: “Em um Bairro de Nova York”

Alguns filmes são capazes de, sem dificuldades, conquistar o espectador naquilo que se propõem. No caso de “Em um Bairro de Nova York” (In the Heights), o êxito acontece através de sorrisos, lágrimas e da persistente vontade de dançar junto aos personagens (desejo este, infelizmente, contido pelo fato de sermos ‘apenas espectadores’ e estarmos sentados diante de uma tela em uma sala de cinema).

Como o próprio título indica, a trama dirigida por Jon M. Chu e baseada no livro homônimo de Quiara Alegría Hudes (que assume o papel de uma das roteiristas da adaptação cinematográfica, que chega após o sucesso de sua versão teatral na Broadway) se passa em Washington Heights, bairro da periferia de Nova York, onde há predominância de moradores de origem latina – dominicanos, mexicanos, cubanos e porto-riquenhos.

Conhecemos os personagens, suas histórias de vida, sonhos e ilusões (ou decepções) através dos olhos de Usnavi de La Vega (Anthony Ramos), protagonista e narrador da produção. O jovem dominicano é proprietário de um modesto estabelecimento – algo como uma loja de conveniência – e, embora seja feliz – dentro de suas possibilidades – sonha em retornar à terra natal para assumir o legado de seu pai, um bar cuja fundação foi devastada por um furacão.

Durante a narrativa, acompanhamos o grande desejo de Vanessa (Melissa Barrera) – por quem Usnavi nutre uma desajeitada, porém muito sincera paixão – em firmar-se como estilista; a acentuada expectativa que a comunidade cria ao redor de Nina (Leslie Grace), a primeira do local a ter chance de frequentar uma Universidade renomada como Stanford.

Vemos a cada vez mais real possibilidade de gentrificação do bairro colocar em risco a continuidade de empreendimentos, obrigando moradores como Daniela (Daphne Rubin-Veja) – dona de um salão de beleza – a se mudarem para poderem manter-se ativos. Por outro lado, há a gentil e necessária segurança emocional passada pela presença de ‘Abuela’ Claudia (Olga Merediz), a quem todos da vizinhança têm como uma verdadeira mãe.

Mas, engana-se quem pensa que tudo isso é mostrado de maneira triste ou melancólica, embora o quadro possa assim ser imaginado, se transportarmos boa parte dos citados elementos para a vida real. Não é questão de “romantizar a pobreza” ou fechar os olhos diante de problemas sociais que já ultrapassaram o teor do absurdo.

É que, ficcionalmente falando, ainda é possível mostrar de forma leve a força de quem tenta, dia após dia, não enlouquecer ou deixar-se amargurar pelas impossibilidades e injustiças ao seu redor. É aceitável mostrar a beleza de acreditar em sonhos – ainda que pareçam inviáveis – e ser gratos por todas as conquistas, mesmo as menores e mais triviais.

Essa é a verdadeira grandeza não só de um bom musical, mas de um longa com roteiro e trilha impecáveis, que têm a mesma competência, seja em levantar o astral dos espectadores ou colocá-los para refletir sobre fatos intoleráveis que ainda acontecem em dias atuais.

Lin-Manuel Miranda, responsável pelo espetáculo da Broadway, deixa o papel de protagonista para assumir o do simpático vendedor de raspadinhas de gelo (as chamadas “Piraguas”), que tem um dos números musicais mais agradáveis da produção – e cuja música é exatamente a que me lembro, nesse momento, enquanto escrevo o texto e balanço os pés sob a mesa.

Ainda que pareça bem delineado desde o princípio, “Em um Bairro de Nova York” consegue ser surpreendente. Assim como é inesperada a decisão de se apresentar uma cena pós-crédito ao término de uma obra de duração extensa (143 minutos), mas acredite: vale a pena esperar para assisti-la.

Imperdível.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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