Crítica: “Rogai Por Nós”

De modo geral, crença – seja lá no que, ou em quem, for – é algo complicado. Ainda mais quando pensamos na óbvia, porém correta, expressão que afirma que, a partir do momento em que se acredita na existência do bem, também há de se crer no mal.

Baseada no livro “Shrine”, do escritor britânico James Herbert (publicado em 1983), a nova empreitada da produtora Ghost House, de Sam Raimi, chega às plataformas digitais para compra e locação.

Desde seu título – seja a versão original (The Unholy) ou a adaptação para o português – “Rogai Por Nós” – já apresenta essa ambiguidade. Se, por um lado, rogamos para que as boas figuras intercedam por nós, o declarado “Profano” é tudo aquilo que, normalmente, deveríamos querer afastar.

Além de ser responsável pelo roteiro, Evan Spiliotopoulos estreia como diretor na trama que começa em 1845, com eventos convincentes no quesito assustador, quando conhecemos uma espécie de talismã em forma de boneca, a chamada Rainha da Colheita. Esta primeira sequência mostra o quanto o longa pode ter potencial, pois, sabemos que tais artefatos nunca costumam manter sua integridade e propósitos em um filme de terror.

O restante da narrativa se passa na mesma região – Nova Inglaterra / Massachusetts, porém em dia atuais. A protagonista é Alice (Cricket Brown), jovem devota, que mora com seu tio, Padre Hagan (William Sadler), desde o falecimento de seus pais, quando ainda era uma criança. Deficiente auditiva de nascença, ela vê o que acredita ser um milagre acontecer quando, após rogar à Virgem Maria, passa a ouvir e falar normalmente.

Tal fato surge como uma providencial oportunidade para Gerry Fenn (Jeffrey Dean Morgan), veterano jornalista de índole duvidosa, cuja carreira foi destruída pela ambição em manter-se relevante a qualquer custo em sua área de atuação, aliada a uma frequente falta de comprometimento com a verdade.

Com a divulgação em massa da tal cura milagrosa, e com Alice servindo de instrumento para o fim de outras enfermidades em moradores locais, dois eventos contrastantes acontecem: o aumento da fé “cega” das pessoas em nível global – que anseiam pela adição de abençoados fenômenos em suas vidas – e o rápido envolvimento de membros da igreja representados por Monsenhor Delgarde e Bispo Gyles (Diego Morgado e Cary Elwes), encarregados de conseguir provar, através de todas as exigências da instituição, se tais milagres são verdadeiros, ou apenas fraudes.

À primeira vista, a produção pode se mostrar com uma vertente mais voltada à religião, do que ao terror, mas é exatamente quando envereda para este gênero, que a narrativa ganha força, embora peque em nem sempre fazer o melhor uso de sua maior arma: a consciência dos espectadores de que a entidade responsável pelas maravilhas inexplicáveis pode ser tudo, menos sagrada.

Sem a pretensão de esconder o uso de diversos clichês, “Rogai Por Nós” consegue o feito de provocar um interesse progressivo, à medida que a história avança, mesmo que não seja tão bem sucedido no que diz respeito, em especial, a jump scares e alguns efeitos visuais – elementos que se não estivessem na obra, em nada fariam falta.

Embora a aparição em tela do teor sobrenatural deixe um pouco a desejar, é o seu conteúdo que de fato importa: a reflexão que provoca ao questionar a fragilidade da fé de muitas pessoas quando posta à prova.

Conseguiríamos lidar com um milagre se fôssemos agraciado com ele, ou apenas nos acostumamos a pedir por algo que, intrinsicamente, sabemos que há maior possibilidade de não se realizar? Acreditamos em algo que não somos capazes de explicar, ou simplesmente encontramos um conforto inato em aceitar a chance de tal existência?

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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