Crítica: “Batman”

Quando comecei a ler as histórias clássicas do Batman, uma das coisas que mais me impressionou no personagem, não foi seu arsenal incrível ou seu uniforme imponente, mas a exímia habilidade de intercalar as máscaras que a sociedade e a vida lhe impuseram.

Foi a capacidade de se disfarçar como o playboy bilionário com pinta de príncipe de conto de fadas – e personalidade propositalmente rasa -, e assumir sua verdadeira face ao vestir o manto de Cavaleiro das Trevas para defender ideais que nem sempre parecem passíveis de serem alcançados (embora sejam muito justos).

E isso foi se aprimorando com o passar dos anos, mas já é visível desde o arco de “Ano Um” de Frank Miller, cuja adaptação em forma de animação está disponível na HBO Max e compreende o que há de melhor das páginas originais nas quais se baseia.

Dirigido por Matt Reeves (que escreve o roteiro junto a Peter Craig), “Batman” (The Batman) é apresentado como uma espécie de “Ano 2”, onde vemos Bruce Wayne (Robert Pattinson) ainda longe de alcançar a excelência do herói que conhecemos – seja por habilidade de luta corporal discutível ou pela evidente incapacidade de, pelo menos no momento, ostentar o título que lhe será outorgado no futuro de “O Melhor Detetive do Mundo”.

Sob a trilha de Michael Giacchino e a fotografia de Greig Fraser, o cenário, é claro, é Gotham City, que, com sua estrutura decadente serve de palco para transgressores de todos os escalões e para o tráfico de uma nova e perigosa droga. De usuários que buscam uma condenável forma de se expressar através do vandalismo, a influentes figuras – como o criminoso Carmine Falconi (John Turturro) – que ocupam o topo desse mercado de podridão, a maneira como tudo é apresentado segue uma crescente de indignação e medo, trazendo a reflexão do quanto isso parece verossímil em dias atuais.

Mas o que seria de um filme do Batman sem a participação de integrantes de sua famigerada galeria de vilões? Assumindo esse posto, temos Edward Nashton / Charada (Paul Dano), em uma versão que em nada lembra o já visto antes.

Aparentemente sendo portador de alguma psicopatia grave, além de carregar um imenso desejo de retaliação por fatos pregressos, ele ganha ares de Jigsaw e faz uso de armadilhas elaboradas para pavimentar um caminho de sangue e mortes, que tem o Cruzado Encapuzado como alvo central.

Se este é o cerne da ação, há espaço para outras duas figuras icônicas: Oswald Cobblepot / Pinguim (Colin Farrell) e Selina Kyle / Mulher-Gato (Zoë Kravitz). Ele, um magnata do crime que se esconde atrás da fachada de um clube noturno, para a prática de atividades ilícitas envolvendo nomes respeitados de Gotham. Ela, afastando-se da alcunha de vilã, para abraçar de vez a marca de anti-heroína, cuja procedência, embora pouco aprofundada, é bem interessante (também por fazer alusão a um famoso arco dos quadrinhos).

Pilares importantes, James Gordon (Jeffrey Wright) – na posição de tenente – é uma ponta de luz na escuridão que se abate sobre a cidade enterrada na corrupção. E Alfred Pennyworth (Andy Serkis) mostra porque é tão fundamental, sendo o verdadeiro responsável por lembrar Bruce da importância de sua humanidade e do legado de sua família.

Há muitas decisões arriscadas / questionáveis em “Batman”, que não passarão impunemente aos olhos dos espectadores – principalmente daqueles que já acompanham a trajetória do Homem-Morcego há décadas – e que devem ser mais bem aceitas pelos mais jovens (a classificação etária é a partir de 14 anos no Brasil).

Se existe a necessidade de modernizar a narrativa (afinal, a criação de Bob Kane completa 83 anos em 2022), há elementos que me parecem quase intocáveis – em especial, no que diz respeito à sua origem ou à história de sua família e que, por mais adaptações que existam, deveriam assim permanecer, até porque essa base é o que faz do protagonista quem ele é.

Como exemplo: ainda que se autodenomine como “Sendo as sombras”, não é exatamente assim que se porta. O Vigilante furtivo, que tem a discrição como uma de suas características mais fortes, agora transita com surpreendente desenvoltura entre os policiais da cidade, e até bate à porta de locais em que pretende entrar para investigar.

Depois de quase 3 horas, já próximo ao final da exibição, uma curta sequência finalmente me fez reconhecer o Batman na tela. E foi por ela que eu chorei, porque como fã do personagem, sempre vou torcer para que ele tenha o reconhecimento que lhe é de direito, e para que lhe seja dada a importância devida por estar, há tantos anos, em um dos lugares de destaque no Panteão de Heróis da DC Comics.

Em tempos em que a pandemia ocupa o lugar de antagonista da vida real, é preciso coragem (e até certa dose de heroísmo) – além do kit máscara / álcool em gel / respeito próprio e pelo próximo -, para enfrentar prováveis sessões lotadas de um filme mais longo do que a maioria. De qualquer modo, o retorno a Gotham é muito válido para lembrar que, mais do que Vingança, ou até mesmo Esperança, o indefectível símbolo do Morcego simboliza Justiça.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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