Crítica: “O Telefone Preto”

Em 2005, Joe Hill fez sua estreia no mercado literário com o livro de contos “20th Century Ghosts”. Quase duas décadas depois, uma das quinze histórias curtas que compõem a obra ganha sua versão cinematográfica e mostra que é possível transformar o argumento original de poucas páginas em um competente de 103 minutos.

A narrativa de “O Telefone Preto” (The Black Phone) se passa em 1978, na cidade americana de Denver, que se torna palco de vários desaparecimentos de crianças / pré-adolescentes, numa assustadora crescente, que faz com que os moradores locais passam a tratar a mente por trás de tais atos como “O Sequestrador” (interpretado de maneira avassaladora por Ethan Wawke).

O roteiro – escrito por pelo também diretor Scott Derrickson e por C. Robert Cargill – nos mostra a rotina da mais recente vítima do criminoso: o jovem Finney Shaw (Mason Thames). Orfão de mãe, o garoto de 13 anos não leva uma vida fácil: sofre bullying na escola (ilustrado em cenas bastante explícitas) e precisa lidar com Terrence (Jeremy Davies), seu pai alcoólatra, cuja personalidade violenta e abusiva torna-o tão execrável quanto a do vilão do longa.

Gwen (Madeleine McGraw), a irmã mais nova de Finn é uma das poucas a trazer alguma luz para sua vida e será peça essencial durante as buscas da polícia, graças a um dom especial herdado de sua mãe. Em meio ao caos que permeia toda a produção, as sequências que mostram a dupla de irmãos são relevantes o suficiente para que o público se identifique e torça por eles.

Em contrapartida, cria-se uma lacuna de distanciamento e antipatia cada vez maior em relação ao Sequestrador, conforme são elucidados fatos sobre ele (embora sem real aprofundamento). Sem nunca ter seu verdadeiro nome revelado, ele aparece em tela sob a figura de um homem misterioso que, supostamente, faria apresentações como mágico em suas horas vagas. É sob essa justificativa que ele atrai as presas para perto da van com a qual as leva para seu esconderijo.

Tal cômodo é um porão insalubre, que conta com apenas uma pequenina janela gradeada e fora do alcance, um velho colchão e um vaso sanitário. Mas, se a proposital falta de mais itens chama a atenção, o que se destacam são os detalhes que cada pedacinho do local esconde e que fazem parte de um intrincado enigma que servirá como a única chance de escapar de lá com vida. Quem conhece os chamados Jogos de Fuga (Escape Rooms) deverá se identificar com a proposta.

Um destes elementos é o Telefone Preto: um modelo antigo, daqueles de disco, fixado à parede e que, de acordo com o Sequestrador, não funciona desde que ele era criança. Mas, como mostrado no trailer, o artefato é imprescindível e opera de maneira não convencional: por intermédio dele é possível ouvir as vozes das vítimas anteriores que passaram pelo cativeiro.

O conto no qual o filme se baseia, embora ofereça uma leitura incômoda (no melhor sentido que essa palavra possa ter quando se trata do gênero suspense sobrenatural / terror), que prende do início ao fim, não traz muitas particularidades em seu texto. O que significa que boa parte do que é exibido em sua adaptação para o cinema foi criada justamente para atender essa plataforma.

Isso poderia ser um grande problema, mas a boa notícia é que a construção desses novos momentos foi feita de forma tão coerente, que não só tem a capacidade de atender os leitores que já conhecem a obra literária – e, mesmo identificando algumas alterações gritantes, ainda assim, serão surpreendidos conforme a história avança -, quanto aqueles que nada (ou pouco) sabem sobre o conteúdo base do livro.

Além dos eficientes ajustes no material de referência, há de se louvar o excelente trabalho do elenco, no geral – o que contribui para que o espectador sinta-se atraído e curioso para saber o que está por vir, mesmo quando a aflição faz com surja a vontade de semicerrar os olhos para tentar “minimizar” alguns instantes que parecem mais sinistros.

Quando sobem os créditos finais de “O Telefone Preto”, fica a impressão de que a Galeria de Máscaras de aclamados títulos de terror parece ter aberto espaço para uma nova aquisição, uma vez que o acessório usado pelo Sequestrador – que muda de expressão através da junção das peças que o formam, de acordo com seu humor – deve ser responsável por alguns pesadelos pós-sessão de cinema.

Tenha coragem: Atenda a ligação e corra para os cinemas.

por Angela Debellis

*Texto publicado originalmente no Site A Toupeira.

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