Mulheres vivendo em situação precária, sem direito à educação básica, subjugadas às mais absurdas escolhas de homens que as enxergam como inferiores. Tais fatos, que não seriam aceitáveis em nenhuma época da história, parecem mais absurdos quando sabemos o ano em que se passam: 2009.
Os acontecimentos compõem a trama de “Entre Mulheres” (Women Talking), drama dirigido e roteirizado por Sarah Polley, baseado no livro homônimo de Miriam Toews (lançado em 2018), e que chega aos cinemas com indicações em duas categorias do Oscar: Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado.
A história (inspirada em fatos reais ocorridos em Manitoba, Bolívia) se passa em uma Comunidade Menonita, onde os moradores são avessos a qualquer tipo de modernidade e levam uma rotina simples, voltada à produção agrícola. Mas, a aparente serenidade que permeia o ar da fazenda esconde dezenas de abusos físicos e emocionais cometidos contra as mulheres.
Mesmo vagamente conscientes das atrocidades a que foram submetidas, elas sentem medo e vergonha de trazer a verdade à tona, já que isso, de acordo com as rígidas crenças religiosas pregadas, poderia impedi-las de entrar no Reino dos Céus. O que as faz aceitar que tudo seria causado pela aparição de fantasmas, Satanás ou mesmo que seriam frutos da selvagem imaginação feminina (uma clara alusão à histeria).
Porém, as coisas mudam quando um dos agressores é capturado, o que leva à prisão de vários outros. Às mulheres é dada uma drástica opção: em 48 horas, elas devem perdoar os homens que delas abusaram, ou devem deixar a colônia e encarar um mundo tão novo quanto estranho (já que nenhuma conhece nada além dos limites do lugar no qual vivem desde sempre).
Integrantes de três famílias são escolhidas para representar as dezenas de vozes que precisam ser ouvidas e, embora todas tenham um objetivo em comum, é louvável a capacidade de dar a cada uma delas, um comportamento próprio, com justificativas que, de acordo com a perspectiva do momento, parecem fazer todo o sentido.
Entre elas, Ona (Rooney Mara) é a que tem as ideias mais claras, que consegue mostrar-se equilibrada e confiante, mesmo quando carrega em seu ventre o fruto de um abuso. Sua irmã Salomé (Claire Foy) é seu contraponto, apresentando um comportamento de franca e pertinente revolta. Mejal (Michelle McLeod) é a que tenta parecer forte, mas que sofre com repentinas crises de pânico.
A que mais se destaca é Mariche (Jessie Buckley), cuja agressividade com as pessoas que a cercam, bate de frente com sua preocupação em garantir a segurança dos filhos, ainda que precise enfrentar um casamento infeliz que gera um loop de agressões e arrependimentos vãos.
Embora tão diferentes, é possível afirmar que cada personagem surge como um importante elo de uma mesma corrente. Se o medo de não ser merecedora da eterna paz existe, também há a percepção de que deve ter algo pelo que vale a pena lutar em vida, o que leva ao questionamento sobre a valia do perdão quando este é imposto por terceiros.
Como já era de se esperar, a participação de homens no longa é quase nula, ficando restrita a apenas uma figura masculina: August (Bem Wishaw), professor dos meninos da colônia, que se propõe a ajudar as mulheres a chegar a um veredito justo – uma vez que o analfabetismo poderia ser um grande obstáculo para tal intento – mas, sem interferir, apenas assumindo o papel de escrivão de uma espécie de ata criada a partir das muitas conversas travadas pelas protagonistas no celeiro da fazenda.
É fácil entender a importância do que é visto nos 104 minutos de duração de “Entre Mulheres”. A dor do próximo não pode simplesmente ser pautada, ela deve ser entendida e, dentro de nossas possibilidades, evitada – ou, pelo menos, diminuída. Mais uma vez (embora pareça tornar-se cada vez mais difícil em dias atuais), não é preciso levantar nenhuma bandeira específica, basta ser humano.
por Angela Debellis
*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.
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