Crítica: “O Colibri”

Segundo a lenda japonesa de Akai Ito, “Um fio invisível conecta os que estão destinados a conhecer-se, independentemente do tempo, lugar ou circunstância. O fio pode esticar ou emaranhar-se, mas nunca irá partir”. E essa conexão é lindamente mostrada em “O Colibri” (Il Colibri / The Hummingbird), ainda que a lenda em questão não seja citada em nenhum momento.

Baseado no romance homônimo de Sandro Veronesi (lançado em 2019), o longa conta a história de Marco Carrera (Pierfrancesco Favino), com acontecimentos passados em cerca de três décadas e mostra etapas distintas da vida do protagonista, que mantém sua integridade moral e bondade inerente como pilares em todas as épocas.

Ainda jovem, Marco (nessa fase, interpretado por Francesco Centorame) se apaixona por sua vizinha Luisa Lattes (Elisa Fossati / Bérénice Bejo) e torna-se parte de uma daquelas histórias que marcam a vida de tantas pessoas: o primeiro amor tão inesquecível, quanto inatingível.

Os anos se passam e ele constitui família em Roma, ao lado da esposa, Marina Molitor (Kasia Smutiniak) – resultado de um relacionamento que começou por questões, no mínimo, inusitadas, e que esconde grandes e delicados segredos de ambos os lados; e da filha única, Adele (Benedetta Porcaroli), cujo desenvolvimento é um dos mais interessantes em tela.

A aparentemente segura (entenda-se monótona) vida de Marco sofre uma reviravolta com a visita do psicanalista Daniele Carradori (Nanni Moretti), que o fará confrontar decisões tomadas em seu passado, que refletem em seu cotidiano atual. É aquele instante tão temido de nossas existências, quando precisamos enfrentar os chamados “demônios pessoais” para tentar entender o que nos levou ao ponto em que estamos.

O roteiro de Francesca Archibugi (que também está à frente da direção), Laura Paolucci e Fracesco Piccolo é pautado pela não-linearidade, o que pode parecer confuso a princípio (já que há grandes saltos de tempo entre as cenas), mas logo se mostra um recurso cativante e que enriquece muito a história. Creio que a obra original seja assim e que isso mantenha a mesma importância nas páginas.

As inúmeras relações que temos durante a vida – sejam familiares, de amizade ou amorosas – dão o tom ao drama italiano que consegue conquistar o público com facilidade, ao se mostrar tão sincero e cristalino em sua proposta. A dor da perda inesperada de alguém querido; a impotência em se modificar o que já passou e que ainda nos causa sofrimento; a necessidade de se lutar por algo que, mesmo sabendo-se fora de nosso alcance, parece necessário como o ar que respiramos.

Tudo parece nos aproximar dos personagens, e torna-se natural torcer – em especial, por Marco, que, assim como um pequenino colibri, pode até gastar sua energia para ficar no mesmo lugar, mas permanece relevante, à sua maneira.

Conforme se aproxima do fim, “O Colibri” amplifica a emoção aplicada aos espectadores. Não há grandes mistérios sobre os acontecimentos vindouros e, talvez, por isso mesmo, pareça tão complicado acompanhá-los. E, ao subirem os créditos finais, é provável que alguma lágrima tenha brotado, sem que nem ao menos tenhamos nos dado conta disso.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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