Crítica: “O Nascimento do Mal”

Construir uma família é uma experiência cheia de desafios e medos, ainda mais quando há uma doença envolvida e a mudança para um lugar novo. Em “O Nascimento do Mal” (Bed Rest) a questão é trabalhada em uma obra de terror psicológico, onde o sobrenatural atua como uma metáfora para esses temores.

Julie Rivers (Melissa Barrera) se muda para uma nova casa com o marido, Daniel (Guy Burnet), na reta final de sua gravidez. Porém, o local começa a exibir estranhos fenômenos, ao mesmo tempo em que a gestação dela apresenta problemas de saúde que a colocam na necessidade de “repouso absoluto” (que seria a tradução literal do título em inglês).

A narrativa gera uma tensão crescente, criando um enigma se há uma ameaça fantasmagórica ou se seriam apenas alucinações da protagonista. As cenas de susto (jump scares) possuem um componente adicional de pavor, pois a questão não é apenas descobrir se há uma ameaça real ou não, mas cada susto – por si só pode – comprometer a saúde de Julie, fazendo com que perca o bebê a qualquer momento.

Essa história me recordou do clássico gótico “O Papel de Parede Amarelo”, no qual a protagonista é obrigada a ficar isolada do mundo, e em repouso total, para curar seus problemas psíquicos. Mas o tratamento só parece piorar a situação, já que uma entidade (que nunca sabemos se é real ou não) está presa no papel de parede, tentando se comunicar com a personagem. Uma obra literária do final do século de XIX que merecia mais adaptações e que parece ter influenciado, mesmo que indiretamente, o enredo de “O Nascimento do Mal”, o que já renderia uma recomendação para assisti-lo.

Há um desenvolvimento acima do padrão dos filmes de assombração, com o início dando sinais muito discretos de que caminhará para o terror e prendendo o espectador pelos conflitos internos e entre os personagens à medida que conhecemos cada um deles – não apenas o casal, mas os profissionais de saúde que cuidam de Julie, assim como do passado da própria casa.

Dirigido e roteirizado por Lori Evan Taylor, é um drama profundo o suficiente para ser um dos raros casos em que aconselho colocar um aviso de gatilho, pois não é recomendado para casais que perderam filhos recentemente. Como médico que já trabalhou em hospitais-maternidades, posso confirmar o rigor científico da parte de saúde da trama, que não fica chato ou didático, mas dá um sabor e profundidade para a trama.

A fotografia e a trilha sonora conseguem captar esse clima de pavor, com a história se passando apenas nos poucos cômodos da casa, aproveitando ao máximo cada detalhe do cenário e da interação com os personagens.

Existem dois públicos que podem se decepcionar: aqueles que querem algo puramente psicológico (que, no geral não aprecia jump scares) e quem se enganou com o cartaz e títulos escolhidos no Brasil sem ler a sinopse, o que pode levar a pensar que é um filme trash de bebê demoníaco.

Contudo, a história é muito bem conduzida, com conclusão coerente e emocionante (assumo que chorei no final), sendo um longa de assombração bem melhor executado do que a maioria disponível. Fica a dica para quem busca histórias de fantasmas mais elaboradas.

por Luiz Cecanecchia

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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