Crítica: “Elementos”

Muito se fala sobre uma suposta crise criativa que assola a indústria do entretenimento há alguns anos. Mas, a verdade é: se fórmulas que parecem repetidas geram críticas, quando se tenta fazer algo “diferente”, que penda para o lado inédito, a estranheza causada pela nova pauta também acaba levando a comentários pouco inspirados por parte do público.

Então, seria cruel falar sobre a nova produção da Disney e Pixar, cobrando por um “padrão de qualidade” visto em obras anteriores, até porque, uma das maiores e mais incríveis vantagens do gênero animação é sua elasticidade no que diz respeito a possibilidades de se criar narrativas que teriam muito mais dificuldades em se estabelecer na forma de live-actions.

A trama de “Elementos” (Elemental) é, relativamente, simples – mas isso a torna, em absoluto, menos interessante. Se olharmos com mais cuidado, por baixo de uma superfície ingênua à primeira vista, há camadas muito mais complexas e que merecem ser visualizadas com todo entendimento que lhes cabe.

Dirigida por Peter Sohn (que também assina o roteiro junto a John Hoberg, Kat Likkel e Brenda Hsueh), a animação nos apresenta a Cidade dos Elementos, local habitado por personagens cuja composição corporal se baseia nos quatro elementos da natureza, água, fogo, terra e ar.

Embora tenham grupos distintos, cada um sabe conviver com os que são “diferentes” – menos a Vila de Fogo, região afastada das demais, cujos moradores – considerados “perigosos”, pelas óbvias capacidades do elemento do que são feitos – acabam criando quase que uma sociedade à parte, onde podem transitar pelas ruas sem serem alvo de olhares julgadores.

É nesse lugar que Faísca (voz de Leah Lewis / Luiza Porto) vive desde seu nascimento. Seus pais, Brasa (Ronnie del Carmen / André Mattos) e Fagulha (Shila Ommi / Marisa Orth), estão entre os fundadores da Vila (após deixarem sua terra natal para trás, em busca de mais oportunidades, como tantos imigrantes em nosso mundo real). E aonde vai acontecer um encontro inesperado que mudará sua trajetória para sempre.

A jovem flamejante trabalha na loja do pai – prestes a se aposentar – e leva uma vida na qual nada de básico lhe falta, mas que não passa disso: uma rotina repetitiva e pouco desafiadora. O que contribui para seu comportamento explosivo (literalmente), abafado pela consciência de dever tudo ao sacrifício de seus pais, que tanto sonharam com a loja da família e tanto lutaram pela felicidade e segurança de sua filha única.

Porém, a monotonia é quebrada com a chegada de Gota (Mamoudou Athie / Dláigelles Silva), rapaz feito de água, cujo comportamento é proporcionalmente contrário ao de Faísca. Se ela parece segura de si, de suas responsabilidades e do lugar que ocupa no mundo (com todos os esforços que isso implica), ele tem uma situação financeira estável e os sentimentos como líderes, deixando a emoção tomar conta o tempo todo – o que significa muitas (muitas mesmo) lágrimas correndo pelos mais diversos motivos.

São essas contradições – físicas e emocionais – que aproximam os dois, quando eles precisam lutar contra o tempo, para impedir o fechamento permanente da Loja do Fogo, que, assim como toda a Vila, parece condenada após o risco iminente de um vazamento de grandes proporções na Cidade dos Elementos.

É lindo ver como Faísca e Gota crescem à medida que se envolvem. O aprendizado entre eles surge de forma natural e torna-se fácil sorrir com seus êxitos e chorar com os percalços que aparecem no caminho. Nem sempre as coisas são fáceis, mas a sabedoria em não desistir é o que os impulsiona e engrandece.

Se o roteiro é competente na missão de trazer uma identificação quase imediata com os personagens – sejam os principais ou os coadjuvantes, como o conquistador representante da terra, Turrão (Mason Wertheimer), ou a carismática figura de ar, Névoa (Wendi McLendon-Covey) – o mérito também é do belíssimo visual dos cenários, que cumprem muito bem a função de levar texturas, temperaturas e particularidades de cada elemento às telas.

Assim como cabe destacar a delicadeza de algumas surpreendentes sequências, como a que envolve a uma rara flor e todo simbolismo por trás de sua existência, que tanto marca a história de Faísca, desde criança. E o momento em que os protagonistas percebem o quanto seus sentimentos são válidos e importantes.

Um ensinamento do povo de fogo prega que devemos nos agarrar à luz enquanto ela existe. Às vezes, isso é mais do que bastante.

Ah! E antes da exibição de “Elementos”, há o curta “O Encontro de Carl” que traz de volta a amada dupla apresentada em “Up – Altas Aventuras”. Dessa vez, a missão de Dug (Bob Peterson) é ajudar seu papai, o Sr. Carl Fredricksen (Ed Asner) em um encontro, o primeiro desde a partida de sua esposa, Ellie.

E, acredite: se seguíssemos mais os conselhos do adorável cãozinho (mesmo que não ao pé da letra, é claro!), provavelmente, seríamos muito mais felizes.

Imperdível.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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