Crítica: “Drácula: A Última Viagem do Demeter”

Existe algo de místico na capacidade de um roteirista de cinema frente ao desafio de pegar um material bastante diminuto e transformá-lo em um resultado com consistência o suficiente para chegar às telas, na forma de uma história que mantenha os integrantes originais e acabe fundindo-os a novas peças criadas para tal adaptação.

Essa é a proposta de “Drácula: A Última Viagem do Demeter” (The Last Voyage of the Demeter), cuja narrativa é baseada em um único capítulo da obra máxima de Bram Stoker, “Drácula”.

O material em questão é parte do capítulo sete do livro (The Captain’s Log”, na versão original), intitulada “Diário de Bordo do Demeter, de Varna a Whitby”, e relata a viagem derradeira da embarcação sob o comando do capitão Elliot (Liam Cunningham).

Seus registros simples vão se tornando cada vez mais assustadores, à medida que um mal desconhecido acomete a tripulação, que acaba perecendo durante o percurso de vinte dias (de 18 de julho a 08 de agosto de 1897) entre o ponto de partida na Romênia e a chegada do navio a Londres.

No longa dirigido por André Øvredal, a trama ganha vários personagens inéditos, a fim de amplificar detalhes e aumentar a tensão. Os poucos personagens do texto de referência são adequados às paginas da obra de Bram Stoker, mas seriam insuficientes para conduzir um filme (mesmo de duração moderada, como esse, com seus 118 minutos).

O que leva à inserção de uma das figuras mais interessantes em tela, o médico Clemens (Corey Hawkins), cuja capacidade profissional é colocada à prova devido à cor de sua pele e cujos questionamentos sobre o universo acertam em cheio quem também se pega perdido em meio a esses pensamentos às vezes.

É ele quem tentará ajudar a equipe quando as coisas saírem do controle – entenda-se quando uma presença maligna se fizer constante e mostrar-se mortalmente perigosa, ceifando a vida de qualquer criatura, sejam animais ou humanos.

Aliás, superstição e religiosidade são temas fortes no roteiro de Bragi F. Schut, Stefan Ruzowitzky e Zak Olkewicz: única mulher a bordo, a clandestina Ana (Aisling Franciosi) é vista como sinal de má sorte pelos tripulantes; o cozinheiro Joseph (Jon Jon Briones) declama trechos da Bíblia para expressar o terror que sente frente ao desconhecido e questiona a moral dos demais companheiros, julgando-os por suas condutas consideradas problemáticas; o neto do capitão, Toby (Woody Norman), tem como amuleto, um terço; os relatos do diário contêm súplicas desesperadas para que Deus amparasse e salvasse os marinheiros.

O que costuma ser um caminho funcional em produções de suspense envolvendo algum elemento sobrenatural, como é o caso. Tal fato ganha ainda mais força com a opção por apresentar o famoso vampiro (interpretado por Javier Botet) com uma aparência que em nada lembra a mais famosa entre o público.

Esqueça a elegância do nobre Conde, dessa vez, Drácula não convence como um humano. Com sua aparência macilenta, seu corpo nu e extremamente esguio, além de poderosas asas, aproximam-no de algo que lembra uma gárgula em sua forma clássica. O que faz com que se torne ainda mais amedrontador para suas potenciais vítimas.

Passado quase em sua totalidade dentro do navio do título, sob a ótima trilha sonora de Bear McCreary, “Drácula: A Última Viagem do Demeter” tem um ritmo lento – tal qual as próprias ondas -, mas também traz momentos frenéticos como uma tempestade em alto-mar.

A decisão de se usar efeitos práticos é completamente acertada, em especial no que diz respeito à composição do vampiro. Por outro lado, promover cenas bastante explícitas envolvendo dilacerações, pode tirar um pouco da aura de mistério que envolve o personagem desde sua criação.

Embora conclusivo, o final é aberto sugere a intenção de ser fazer uma continuação futura, o que seria uma alternativa para explorar a imagem de Drácula de maneira mais detalhada, mas ainda dando algum aspecto de ineditismo ao assunto já tão trabalhado em várias produções anteriores.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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