Crítica: “Nosso Amigo Extraordinário”

Normalmente, quando se tratam de narrativas envolvendo a aparição de alienígenas, uma das primeiras coisas que vêm à nossa mente são sequências realizadas com o uso da tecnologia mais atual, para criar elementos convincentes – sejam naves espaciais ou as próprias criaturas de outros planetas, que deverão ser “fofinhas” o suficiente para vender bonecos de pelúcia ou assustadoras o bastante para renderem ótimos cosplays por décadas.

Por isso, na proposta de “Nosso Amigo Extraordinário” (Jules), de não usar CGI e ter um alienígena de aparência simples (entenda-se sem nenhum atrativo específico), não havia espaço para o meio termo: ou ela seria um sucesso, ou causaria um estranhamento capaz de minar o interesse do espectador. Felizmente, houve êxito na execução e o que temos em tela é uma história que encanta pela singeleza com que é contada.

Dirigida por Marc Turtletaub, a comédia dramática se passa na pacata cidade americana de Boonton e mostra a rotina de Milton Robinson (Ben Kingsley), um senhor rabugento, cujas maiores preocupações, aos 78 anos, dizem respeito à mudança no slogan de boas-vindas local e ao acréscimo de uma faixa de pedestres em um ponto que considera de difícil locomoção –reivindicadas semanalmente nas maçantes reuniões do conselho municipal.

Esse cotidiano sem novidades mudará com a queda de uma pequena nave espacial em seu quintal, cuja tripulação é composta por apenas um alienígena (interpretado pela dublê Jade Quion, que vestiu onze tipos de peças corporais diferentes – criadas pelo maquiador Joshua Turi, para compor seu visual).

As dúvidas iniciais dão lugar à curiosidade e à solidariedade, fazendo com que Milton se compadeça desse visitante desconhecido – e que sofreu ferimentos na queda – e passe a permitir a entrada dele em sua casa.

Gradativamente, essa aproximação vai se transformando em um relacionamento composto por monólogos (uma vez que o alien não emite nenhum som) que engrandece a vida do idoso. A dupla ganha companhia quando as vizinhas Sandy (Harriet Sansom Harris) e Joyce (Jane Curtin) ficam a par do fato inusitado e passam a ajudar nos cuidados e na proteção – do agora chamado Jules – enquanto ele trabalha no conserto de seu transporte, para voltar ao planeta natal.

Se o longa entregasse apenas isso, para mim, já seria o suficiente. Mas, o roteiro de Gavin Steckler possui camadas muito mais tocantes e que nos fazem questionar sobre assuntos que nem sempre são confortáveis de se tratar, como o avanço de determinadas doenças com o passar dos anos, as mudanças que ocorrem em nossos relacionamentos familiares, a solidão crescente e, até mesmo, nossa tão temida mortalidade.

Porém, tudo é trazido à luz com extremo cuidado, sem transformar a produção em algo pesado ou tirando a doçura que cerca os personagens. É lindo ver o crescimento da amizade de Milton, Sandy e Joyce, assim como também comove perceber o quanto a aparição de Jules impactou sua vidas e os fez refletir sobre o que / quem merece seu amor.

Meu coração já havia sido tomado logo no início de “Nosso Amigo Extraordinário”. Próximo ao fim de seus 87 minutos de duração, eu me vi ainda mais emocionada, graças a algumas direções seguidas pela história. E percebi que, assim como na vida real, não é preciso mais do que empatia pelo próximo, para se criar algo memorável e surpreendente.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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