Crítica: “Good Boy”

Com uma lista crescente (e, pelo visto, interminável) de filias e fobias, torna-se cada vez mais difícil compreender o que está, de fato, dentro do que se entende como “normalidade”. Comportamentos bizarros aos olhos de alguns, também podem ter conotação de rotineiros para outros, mas até que ponto tais opiniões distintas ainda conseguem se manter efetivas, quando os temas envolvem a violação da saúde – física e/ou mental dos outros?

Novidade no catálogo da plataforma de streaming Looke e sem chegar aos cinemas brasileiros, o longa norueguês “Good Boy” (que manteve seu título original, por aqui) conta com uma trama que começa estranha, mas logo envereda para quase insuportável – não no mau sentido, mas sim, sob a ótica de oferecer uma perturbação que cresce conforme os 76 minutos de sua duração se passam diante dos olhos da plateia.

A história se passa em torno de Christian Iversen (Gard Løkke), jovem milionário que, após a perda dos pais, passa a viver em sua mansão, tendo apenas a companhia de seu cachorro Frank (Nicolai Narvesen Lied). Cansado de sua rotina solitária, ele busca companhia em um aplicativo de encontros, através do qual conhece a estudante de psicologia Sigrid (Katrine Lovise Øpstad Fredriksen).

O roteiro de Viljar Bøe (que também assume a direção, além de aparecer em uma rápida cena) poderia, facilmente, vender-se como mais uma comédia romântica – ainda mais por estarmos próximos às festividades natalinas. Se não fosse por um detalhe já mostrado no início da produção e em todos os materiais de divulgação: na verdade, Frank não é um adorável animalzinho de estimação, mas um homem em uma roupa (pouco realista) de cachorro.

A explicação que Christian dá à Sigrid é que Frank seria seu amigo de infância e que, após vários traumas, teria perdido a capacidade de conviver em sociedade, encontrando refúgio nessa fantasia (real e metafórica) de ser um cão.

O óbvio estranhamento inicial da jovem logo dá espaço a uma possibilidade de convívio pacífico, após a descoberta da excelente situação financeira do protagonista, o que me fez pensar – ainda mais – no quanto a ambição por poder / sucesso / é capaz de cegar e fazer alguém rever / passar por cima de conceitos prévios.

A partir do momento em que o trio começa a ter proximidade – inclusive fazendo uma viagem “em família” – fica mais fácil perceber o quanto essa relação é fincada em terreno arenoso e o quanto há de perigo rondando cada detalhe, aparentemente, inocente.

E esse incômodo atinge o público de uma maneira que é quase impossível desviar os olhos da tela, ao mesmo tempo em que a vontade é a de paralisar a exibição do filme, como se tal atitude fosse minimizar o aperto que se instala em nosso peito.

Se, a princípio, eu questionei a curta duração, ao ver os créditos finais, entendi que, caso ela fosse maior, talvez fosse insuportável de acompanhar o que estava sendo apresentado. Eu sou fã de carteirinha do gênero terror – inclusive, os terrores psicológicos estão entre os meus favoritos – mas, confesso que não estava preparada para o que a narrativa propõe, em especial no que diz respeito à cena que encerra o longa.

Creio que o trailer de “Good Boy” possa confundir algumas pessoas que esperam por um título que enverede para o trash (o que significaria ser, em parte, galhofa descompromissada). Não é o caso, já que a obra tende a provocar reflexões inesperadas e incômodas sobre atitudes e decisões que nos transformam nos indivíduos que somos e nos mantêm sob a proteção do frágil e discutível título de “animais racionais”.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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