Crítica: “Dogman”

Desde a frase inicial mostrada em tela e, como toda obra com uma proposta maior do que o entretenimento puro e simples, “Dogman” (Dogman) assume o risco de ser visto como algo brilhante ou como uma receita que dificilmente agradará todos os paladares.

Passada em Nova Jersey, a trama nos apresenta Douglas “Doug” Munrow (Caleb Landry Jones), cuja história de vida mostra-se problemática desde a infância (nessa fase, interpretado por Lincoln Powell), quando se torna vítima da maldade da própria família, nas figuras de seu pai Mike (Clemens Schick) e do irmão mais velho Richie (Alexander Settineri) – que têm como passatempo a realização de rinhas de cachorros – cujo fanatismo religioso surge como disfarce para a inata falta de caráter.

Decepcionado com a raça humana, ele encontra refúgio (literal e metafórico) no amor que sente por cachorros e pela leitura. Em suas próprias palavras, enquanto o mundo real o rejeitava, o mundo imaginário o acolhia de corpo e alma.

Tal atitude culmina em um adulto recluso, que vê em cada recusa – seja profissional, amorosa ou social – o argumento perfeito para afastar-se do que pode feri-lo. O que não quer dizer que suas ações sejam injustas, pelo contrário. Doug consegue, apesar de tudo, enxergar a bondade em que a possui de fato, e isso basta para mantê-lo lúcido (ainda que de modo questionável, à primeira vista).

E, já que o cenário da vida real não lhe parece aprazível, o protagonista descobre que há salvação na arte. Nesse caso, através de performances como drag queen – que rendem sequências tão belas quanto impactantes. Ao abraçar outros papéis, é possível esquecer, momentaneamente, os tristes capítulos que marcam seu caminho.

Se existe toda uma problemática ao lidar com as demais pessoas, o mesmo não acontece quando Doug está na companhia de seus cachorros. Não existem cobranças absurdas, expectativas irreais ou falsidade enraizada. Apenas a mais pura expressão de amor e parceria que é a essência de todo animal. Felizes os que, como ele, abrem seu coração e têm o privilégio de viver isso de perto.

Por mais que haja um toque de cruel realidade no roteiro escrito por Luc Besson (também à frente da direção), é possível enxergar alguns pontos fantásticos no roteiro, em especial no que diz respeito a algumas ações realizadas pelos cães. Mas, tudo é feito não visando enganar o público, mas sim, para ajudar na condução a algo que se mostra surpreendentemente interessante (e que seria incrível, se fosse verídico).

Trabalhando com detalhes e fazendo da iluminação uma aliada, a fotografia de Colin Wandersman torna-se marcante. Tal qual a trilha sonora – a original composta por Éric Serra e as faixas conhecidas de ícones como Edith Piaf, Marlene Dietrich e Marilyn Monroe (esta última, ouvida em uma das melhores sequências do longa) – fundamental para dar mais profundidade à narrativa.

E se fosse possível definir Douglas Munrow – que já entrou para minha galeria de personagens favoritos de todos os tempos – em uma frase atribuída ao poeta / dramaturgo William Shakespeare (seu autor preferido), creio esta ser a mais adequada: “O meu amor eu guardo para os mais especiais. Não sigo todas as regras da sociedade e às vezes ajo por impulso. Erro, admito. Aprendo, ensino. Todos erram um dia: por descuido, inocência ou maldade”.

“Dogman” é um filme (muito) triste, assim como é belo, à sua maneira. Não é fácil de se assistir, mas pode ser um presente para quem o fizer.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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