Crítica: “Priscilla”

A chance de nos pegarmos – em algum ponto de nossa trajetória – sonhando em como seria nossa vida, se tivéssemos a chance de estabelecer um relacionamento com algum ídolo, é inversamente proporcional à possibilidade de isso acontecer.

Essa ideia de que tudo seria perfeito, “mágico”, é o que faz com que seja tão difícil assistir a “Priscilla”, longa baseado em “Elvis e Eu” (Elvis and Me), autobiografia de Priscilla Presley (lançada em 1985), que tira a relação entre ela e o chamado “Rei do Rock” do patamar inalcançável, para colocá-la no nível de um romance que se equilibrava, perigosamente, na linha que separa o aceitável do inadmissível.

Escrita por Sofia Coppola (também à frente da direção), a trama pavimenta o caminho que levará o público a conhecer Priscilla Beaulieu (Cailee Spaeny, em interpretação que já lhe rendeu o prêmio Copa Volpi de Melhor Atriz no Festival de Veneza). Aos 14 anos, a jovem natural do Brooklyn mora na Alemanha Ocidental, devido às exigências de trabalho de seu pai militar.

Levando uma vida sem grandes emoções, nos idos de 1959, a adolescente – assim como outras milhões ao redor do globo – nutre uma paixão platônica pelo astro do momento, Elvis Presley (Jacob Elordi). O improvável encontro entre duas figuras tão diferentes marcará o princípio de uma história pautada por excessos – tanto emocionais, quanto materiais.

Sob um excelente trabalho do diretor de fotografia Philipee Le Sourd, a produção tem como grande triunfo a sabedoria de converter em imagens, as sensações extremas / opostas que moldaram o vínculo entre o casal – que oficializa a união em 1967, tem uma filha (Lisa Marie) em 1968, e se divorcia em 1973.

No drama biográfico, vemos, da inevitável passagem do tempo – que aos poucos consome o ar inocente da protagonista e a transforma em alguém que descobre a verdade por trás da magia dos contos de fadas – à degradação da rotina do casal, que sai de um princípio quase idílico, para cair em dolorosos capítulos de agressão verbal (beirando o físico). Tudo, visualmente relembrado a cada cena que faz uso de ângulos específicos, a fim de realçar a diferença de estatura (e “poder”) entre os personagens.

O que começa como um rígido controle quanto à aparência de Priscilla (sobre as cores de suas roupas, cabelo e maquiagem), logo passa a envolver questões sobre seu comportamento, até chegar à inconcebível proibição dela ter um emprego ou firmar uma carreira profissional). Some-se a essa fórmula do fracasso conjugal, a constância dos acessos de raiva de Elvis – destacados na obra em duas ocasiões, envolvendo uma briga de travesseiros e o arremesso de uma cadeira.

Com 113 minutos de duração, ao retirar o véu da perfeição que, até hoje, a mídia insiste em colocar sobre nossos olhos, “Priscilla” consegue uma inesperada proximidade com os espectadores e oferece um entendimento muito mais complexo do que, de fato, ocorre quando os holofotes são apagados.

Embora – por atribuições legais – a discografia do cantor não seja utilizada na trilha sonora (que conta com outros nomes aclamados como Dolly Parton e Bob Dylan), em dado momento do filme, Priscilla afirma que sua música favorita de Elvis é “Heart Break Hotel”, que, anos depois, pode ser considerada uma triste simbologia sobre o que viveu: “Bem, agora, se o seu amor lhe deixar e você tiver uma história para contar… Bem, basta caminhar até o final da Rua Solitária, para o Hotel do Coração Partido…”.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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