Crítica: “Anatomia de uma Queda”

Histórias – em geral, dramáticas – que têm julgamentos como pano de fundo, não são, exatamente, inovadoras. Mas, a sensação é a de que o assunto – quando bem tratado – consegue manter seu grau de interesse, independente da mídia que o comporta.

É o que acontece com o atual vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, e de dois Globos de Ouro“Anatomia de uma Queda” (Anatomy of a Fall), longa escrito (em conjunto com Arthur Harari) e dirigido por Justine Triet, que tem ficado em grande evidência na temporada de premiações – a conquista mais recente são as cinco indicações ao Oscar.

Sandra Voyter (Sandra Hüller) é uma bem-sucedida escritora alemã que, junto ao marido francês, Samuel Malesk (Samuel Theis) – ex-professor e pretenso escritor – e o filho único do casal, Daniel (Milo Machado Graner), vai morar em um chalé isolado nos Alpes Franceses. Esse será o cenário para o fato central da trama: a morte de Samuel (a tal queda do título) que, pode ter acontecido sob três vértices: assassinato, suicídio ou acidente.

A única testemunha do ocorrido é Daniel – que perdeu a maior parte da visão, anos atrás, após um trágico acontecimento. Ou seja, não há ninguém que possa, de fato, intervir para absolver ou condenar Sandra. E essa dúvida servirá de combustível para 151 minutos de duração do longa.

O que pode soar como simplista em um primeiro momento acaba sendo o diferencial de “Anatomia de uma Queda”, que o tira do lugar comum de filmes do gênero, para entregar algo que prende o espectador em um jogo crescente e sufocante de perguntas e descobertas.

As cenas que envolvem depoimentos em um tribunal (os dias de julgamento, propriamente ditos) são bastante incômodas, mas não no sentido ruim, já que essa aparenta ser a verdadeira intenção da obra.

Tal qual a insistente aproximação da câmera, que coloca os rostos dos personagens em escancarado destaque e faz com que o espectador se sinta (de certa forma) intimidado, não só pelas imagens, mas também, pelo texto – parte dito em francês, parte em inglês – que tem várias camadas de interpretação, dependendo dos novos fatos apresentados  pelos advogados de defesa / acusação, ou pela própria Sandra.

Ainda falando em incômodo, há uma importante sequência envolvendo Snoop (o cachorro de estimação de Daniel, interpretado pelo border collie, Messi) que, sinceramente, me pegou desprevenida e me fez pensar se era mesmo necessário ter sido realizada de modo tão explícito, embora a interpretação do ator canino seja excepcional – tanto que lhe rendeu o prêmio especial Palm Dog Award, em Cannes.

Com o merecido status de uma das maiores surpresas da temporada, “Anatomia de uma Queda” não é um filme suave, mas tem tudo para agradar quem gosta desse tipo de produção, que, ao mesmo tempo em que parece oferecer todos os argumentos necessários para chegarmos a um “veredito”, também arranca de nossas mãos qualquer facilidade em assegurar o que poderia ser (a sempre duvidosa) verdade absoluta.

por Ana David – especial para CFNotícias

*Texto originalmente publicado no site CFNotícias.

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