Crítica: “Licença para Enlouquecer”

Embora tenhamos consciência da constante e implacável passagem do tempo, é sempre impactante quando um evento tem força o bastante para nos fazer questioná-la. Quatro anos já se passaram desde o anúncio da Pandemia de Covid-19, que pegou o mundo de surpresa e foi responsável por tantas mudanças (algumas que ainda perduram) na rotina de milhões de pessoas.

Chegamos ao ponto em que é possível falar a respeito sem a paranoia inicial que se instaurou na vida de todos, em especial no que diz respeito à necessária temporada de isolamento, imposta como tentativa de evitar uma disseminação ainda maior do vírus que, infelizmente, fez tantas vítimas ao redor do planeta.

E é nessa época não tão distante (e tão familiar) que se passa a trama de “Licença para Enlouquecer”, comédia nacional dirigida por Hsu Chien. O filme tem como figuras centrais, três amigas que, por diversas razões – incluindo o confinamento – se veem obrigadas a dividir um pequeno apartamento na capital paulista, enquanto buscam se adaptar ao chamado “novo normal”.

O imóvel, habitado inicialmente apenas pela produtora de cinema Sara (Mônica Carvalho), também servirá de moradia provisória para a professora de balé / recém despejada, Lia (Danielle Winits) e para a desempregada / recém-divorciada, Leia (Michelle Muniz). Apesar de serem muito amigas, a verdade é que a rotina do dia a dia nem sempre é algo fácil de enfrentar e as diferenças entre elas ficam bem visíveis conforme se dá o convívio forçado.

Com a ampliação do tempo de isolamento (ah, se a tal “quarentena” tivesse durado apenas as duas semanas previstas a princípio…), o que vemos em tela são reações e atividades que se tornaram típicas daquele momento: reuniões / encontros / aulas / compras virtuais, crises de choro descontrolado, questionamentos  sobre tudo e todos, a consciência da necessidade de se usar máscaras (e a falta de habilidade em fazer disso um hábito imediato), a descoberta de novas e improváveis amizades.

O trio não é exatamente bem visto por Carlos (Nelson Freitas) – síndico do prédio em que vivem. Homem de poucas palavras, ele acaba sendo uma dos melhores personagens e tendo um dos arcos mais interessantes do longa.

A situação das protagonistas muda quando outra amiga em comum, a blogueira Bia Couto (Thaissa Carvalho) faz uma substancial proposta que as levará até Maragogi, em Alagoas. Sai o cenário claustrofóbico do apartamento, entram as maravilhas naturais da praia, onde se localiza a pousada de Nahimana (Luíza Tomé) e que será palco de várias tramas paralelas, que, embora não tenham mais tanto foco na pandemia, seguem pontuando certas mudanças causadas por ela na vida de cada um.

Como destaque, vale dizer que o roteiro de Mônica Carvalho, Michelle Muniz e Marcelo Corrêa surpreende ao não se prender apenas à comédia pura e simples (mesmo esse sendo seu mote principal). Tal decisão torna a história mais crível e ganha a simpatia do público.

Alguns momentos são verdadeiramente divertidos – como o que envolve a rápida participação de Madame Lua (Sharlene Esse), outros nem tanto. Mas, no geral, “Licença para Enlouquecer” entrega um resultado dentro do esperado para a proposta desse tipo de obra.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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