Crítica: “O Homem dos Sonhos”

“Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”. As palavras de Álvaro de Campos (um dos heterônimos do poeta português Fernando Pessoa) servem como um surpreendente resumo de “O Homem dos Sonhos” (Dream Scenario).

Escrito e dirigido por Kristoffer Borgli, o longa nos apresenta o professor de Biologia do Desenvolvimento, Paul Matthews (Nicolas Cage). Homem comum, cujas aspirações literárias foram suprimidas com o passar dos anos (e as parcas possibilidades de realização), que tem uma guinada radical em sua – monótona – vida, após tornar-se protagonista dos sonhos de milhares de pessoas pelo mundo.

O que começa de maneira tímida, inicialmente relatado por sua filha caçula, Sophie (Lily Bird) – ele também é pai da adolescente Hannah (Jessica Clement) – ganha contornos muito maiores quando parte de seus alunos também afirma vê-lo em seus sonhos, de forma bem semelhante, apenas como espectador das ações, sem nenhuma interferência.

E isso começa a acontecer em escala global, sem que ninguém – especialistas ou curiosos – tenha uma explicação lógica para tal fato. Do dia para a noite, o anônimo Paul Mathhews torna-se uma estrela mundial, um fenômeno das redes sociais – ainda que não demonstre a menor inclinação para lidar com a fama repentina.

Mas, como não chega a ser inédito, tanto reconhecimento traz consigo vários ônus, em especial quando Paul deixa de ser uma figura passiva nos sonhos, para converter-se em alguém perigoso (pelo menos, no campo da imaginação).

Esse turbilhão de acontecimentos e emoções põe em risco, inclusive, seu casamento de 15 anos, com Janet (Julianne Nicholson) e seu cargo como professor titular na instituição Osler (cujo anagrama no nome é tão simples quanto genial).

O inteligente roteiro de “O Homem dos Sonhos” consegue, ao mesmo tempo, divertir e sugerir reflexões. Assuntos como a famigerada Cultura do Cancelamento e a efemeridade da fama são tratados com extrema eficiência. Assim como cabe destacar a referência a Freddy Krueger (um dos maiores ícones do gênero terror, cujos sonhos alheios são seu campo de ação) e uma excelente passagem sobre a banalização do trauma, em um dos melhores trechos da produção.

Nicolas Cage entrega uma atuação impactante, que faz o público torcer para que seu personagem tenha o melhor final possível. O contraste entre o que Paul almeja e aquilo que pode alcançar nos faz pensar o quão distante realmente estamos do que sonhamos para nossas vidas.

Uma obra que foge dos padrões através de uma inusitada proposta e que, ao ter êxito traçando a linha entre o sonho e a realidade, o almejado e o viável, o simples e o complexo, merece todo reconhecimento.

por Angela Debellis

*Título assistido em Cabine de Imprensa Virtual promovida pela California Filmes.

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