Crítica: “O Segredo de Davi”

O cinema brasileiro, ainda que com sua vasta história, está começando a tomar proporções cada vez maiores, com aumento do número de produções, de estúdios menores, e surgimento de novos nomes, particularmente graças às leis de fomento a cultura e ao trabalho da ANCINE (Agência Nacional do Cinema). Ainda assim, o cinema nacional tem uma enorme lacuna para aqueles que procuram filmes de suspense e terror. São ainda poucas produções, se comparadas às inúmeras comédias lançadas com frequência todos os anos.

“O Segredo de Davi” é um dos títulos desse ano que vem para suprir essa demanda. Diego Freitas dirige pela primeira vez um longa, depois de dirigir o curta “Sal”. O roteiro, também de sua autoria, conta a história de Davi (Nicolas Prattes), um jovem estudante universitário, que gosta de gravar vídeos das vidas de outras pessoas. Um dia, ao tentar entrar em contato com sua vizinha catatônica, perde o controle, e acaba por matá-la. Esse é o primeiro de vários assassinatos cometidos por Davi, que resultará numa estranha odisseia em que nem tudo é o que parece.

É impressionante o detalhamento demonstrado em relação à questão psicológica. Desde os sintomas de uma crise psicótica, motivo central do protagonista, até as questões sexuais, em especial a ambivalência de seus sentimentos. A pesquisa para o desenvolvimento e abordagem desses temas realmente é algo digno de nota, de maneira que não são meros detalhes ou citações laterais que apenas servem para uma justificativa mínima e serem esquecidas durante a projeção.

Outro grande ponto positivo está em seus aspectos visuais: o uso de zooms faciais de maneira a reforçar a sensação de isolamento e inadequação social do protagonista, o jogo de cores que reforça as ideias presentes no roteiro, a opção por vários tipos de câmeras para diferentes partes da narrativa de maneira a distanciar o passado do presente. Além disso, o uso de objetos de cenas de diferentes períodos faz com que o filme se passe num momento estranho e irreconhecível do tempo, que é algo interessante na narrativa. Um aspecto técnico também positivo é a trilha sonora, misturando sonoridades mais leves e mais complexas, que criam um clima etéreo e ao mesmo tempo sinistro.

As atuações estão eficientes. Gisele de Prattes, que mesmo em suas poucas cenas, consegue transmitir bem a emoção da mãe de Davi; João Côrtes, que atuando como o amigo de Davi, Caio, consegue roubar a cena quando aparece, agindo como a típica pessoa alternativa contemporânea; e Neusa Maria Faro, que consegue ser uma avó ao mesmo tempo simpática e sinistra. André Hendges ainda precisa encontra sua voz no cinema, porém seu personagem ambíguo não está mal atuado.

Quanto aos pontos negativos, o primeiro é que o filme parece reminiscente de vários antecessores, dentre eles podem ser citados “Uma Mente Brilhante” em sua forma de abordar um colapso psicótico, “Psicose” com a voz interior do protagonista o influenciando a atos que não seriam normais a ele, e um certo voyeurismo – ainda que cada um por sua via.

O segundo é que em sua forma de abordar o transtorno de Davi, o longa acaba deixando ambiguidades demais, uma das mais marcantes é o motivo do começo das alucinações do protagonista, e por consequência seu frenesi assassino.

O terceiro não é um ponto negativo em si, mas pode ser encarado como tal: a atuação de Nicolas Prattes. Apesar de representar bem os problemas de um psicótico, e as mudanças agressivas de ânimos – particularmente quando começa a matar – suas feições às vezes são exageradas, o que pode fazer com que alguns se incomodem.

Por fim, “O Segredo de Davi” é um bom suspense para os fãs do gênero e para quem gosta de retratos de transtornos psicológico, ainda que as ambiguidades da trama possam causar um tanto de descontentamento em parte do público.

por Ícaro Marques

Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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