Crítica: “A Tabacaria”

Não importa que o cenário seja desolador, que a esperança pareça algo impossível de sentir e que a felicidade mostre-se inalcançável para a esmagadora maioria. A amizade verdadeira sempre consegue encontrar uma brecha para, de alguma maneira, iluminar a vida de quem tem a possibilidade de conquistá-la.

O protagonista de “A Tabacaria” (Der Trafikant / The Tobacconist) é Franz Huchel (Simon Morzé), jovem de dezessete anos, criado apenas pela mãe (Regina Fritsch) e que impressiona pela inocência com que encara o mundo (restrito, diga-se de passagem) à sua volta. O rapaz ingênuo tem uma aparente obsessão pela água – elemento recorrente em seus sonhos e responsável pela mudança drástica em sua vida.

Após uma morte inesperada, a história passada na Áustria nos anos de 1930, durante o início da Segunda Guerra Mundial, deixa de ter como pano de fundo o vilarejo em que Franz mora, para ser contada em Viena, mais precisamente na tabacaria que dá nome ao longa baseado no best-seller homônimo de Robert Seethaler.

O estabelecimento pertence a Otto Trsnjek (Johannes Krisch), veterano da I Guerra, que entende que o respeito por seus clientes e a paixão pelo ramo do comércio de tabaco devem ser maiores do que qualquer tipo de preconceito – o que em tempos de atuação nazista não parece ser uma decisão muito acertada.

Franz torna-se aprendiz de Otto no local, onde conhece Sigmund Freud (Bruno Ganz, falecido em fevereiro deste ano), com quem começa a se aconselhar após a paixão repentina por Aneska (Emma Drogunova), jovem misteriosa que conhece em uma espécie de festival.

Embora o primeiro amor e todas as suas consequências sejam um dos temas do longa dirigido por Nikolaus Leytner, a narrativa mostra um lado bem mais aterrador ao apresentar sequências envolvendo a atuação da Gestapo, a devoção cega a Hitler e a intolerância com os que pensam ou agem diferente.

O medo que percorre as ruas é quase palpável, assim como os elementos que evocam sensações – nem sempre agradáveis (mas totalmente pertinentes) – na plateia: do sangue no avental do açougueiro às moscas que rondam as peças de carne expostas em seu depósito; da censura velada a determinadas publicações às ameaças de morte que surgem em forma de surras.

Por outro lado, também é perceptível a evolução na relação de amizade entre Franz e Freud e como ambos têm algo a oferecer. Mais do que apenas analisar o garoto, o Pai da Psicanálise acaba o ajudando a sair do casulo aparentemente confortável da adolescência segura para encarar a vida adulta que não se furta em chegar de maneira voraz e inexorável.

Um grande destaque do filme são as sequências que simbolizam os sonhos de Franz. As imagens oníricas, que nem sempre fazem sentido, são reverenciadas através de registros em um pequenino caderno, como se fosse possível capturar cada uma delas para buscar alguma explicação posterior.

Assim como é propício o recurso de mostrar o que se passa em sua mente durante momentos importantes para ele, quando acaba agindo de maneira completamente diferente do que havia pensado. A realidade costuma ser bem menos interessante do que a imaginação.

Ao término da sessão, o filme consegue provocar reflexões sobre vários assuntos – alguns sempre em pauta, não importa a época – e causa um aperto no peito após fazer certas escolhas (dolorosas, mas condizentes) para o final dos personagens.

Vale conferir.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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