Crítica: “Matrix Resurrections”

Quando “Matrix” chegou aos cinemas em 1999, o mundo era outro. Literalmente. O atual avanço tecnológico começava a dar os primeiros passos mais efetivos e não havia essa cobrança enlouquecedora por uma perfeição só atingida – em partes – através de filtros de celular ou cirurgias plásticas.

22 anos depois, “Matrix Resurrections” estreia em uma época na qual, embora não seja ilegal, é ridiculamente comum ver boa parte dos espectadores dividindo sua atenção entre o filme que se passa na tela e a necessidade de acessar redes sociais de forma quase incessante – como se ficar algumas horas “fora da Internet” fosse uma missão impossível.

Uma época em que o festejado “Bullet Time”, embora ainda magnífico de se ver, não consegue ter o mesmo impacto de outrora, sobre um público que cresceu acompanhando o avanço de efeitos especiais, até mesmo em obras mais simples.

Só isso já deveria ser suficiente para que comparações entre os títulos não fossem feitas (o que, é claro, não será possível, já que emitir opiniões pessoais, muitas vezes sobre assuntos que nem são de domínio – ou real interesse – de quem as faz, tornou-se quase uma “obrigação” hoje em dia).

Dirigido por Lana Wachowski (que também é roteirista ao lado de David Mitchell e Aleksandar Hemon), “Matrix Resurrections” se passa anos depois dos fatos apresentados em “Matrix Revolutions”, capítulo que, até aqui, encerrava a franquia. Sendo o tipo de filme que, quanto menos se souber, melhor a experiência de acompanhar, cabe afirmar o quanto é empolgante ter respostas a questões que ficaram em aberto por tantos anos.

Sem dar spoiler, é possível dizer que a trama gira em torno de Neo (Keanu Reeves), que sob a identidade de Thomas Anderson, voltou à tediosa rotina na Matrix – mais vez, sem consciência disso. O agora designer de games – que trabalha em uma empresa com o sugestivo nome de Deus Ex Machina – não se recorda de nada que viveu nos longas anteriores, mas, ainda assim, os principais fatos continuam fazendo parte de sua história, através de uma saída muito sagaz do roteiro.

Entre figuras novas e as já conhecidas, muitos personagens merecem destaque, entre eles, Morpheus (agora interpretado por Yahya Abdul – Mateen II, em uma surpreendente versão) e Bugs (Jessica Henwick, que toma a frente como a líder que vai em busca do Escolhido, tal qual o Morpheus “original”, imortalizado por Lawrence Fishburne).

Assim como é válido destacar o retorno de Carrie – Anne Moss que, mesmo após quase duas décadas desde sua última aparição como Trinity, ainda consegue imprimir toda a força e importância que cabem a uma das melhores personagens femininas da história do cinema.

Há uma (para mim, muito emblemática) cena no longa “O Jogo da Imitação”, na qual a versão jovem do protagonista (vivida por Alex Lawther) é vítima de bullying. Enquanto o garoto se debate e grita por socorro, alimenta a maldade de seus algozes. Quando fica em silêncio e espera pelo momento em que poderá se libertar do vão no assoalho em que foi aprisionado, a “graça” de feri-lo desaparece e os garotos de índole duvidosa não mais se interessam por ele.

É o que acontece com o inteligente roteiro de “Matrix: Resurrections”. A partir do momento em que os próprios personagens citam e riem do que poderiam ser vistas como as “fraquezas” da obra (entenda-se a idade dos atores ou a produção de uma nova parte além da já concluída trilogia), eles assumem uma posição confortável o suficiente para não se deixar abater por qualquer comentário de cunho apenas ofensivo, que em nada acrescenta a ninguém.

Como fã da franquia, confesso que, ao entrar na sala de cinema, senti um misto de apreensão e curiosidade, afinal, não sabia até que ponto escrever um novo capítulo para algo que parecia tão resolvido, parecia uma boa ideia, ainda que haja tantos interesses envolvidos.

Mas, com o apagar das luzes e a aparição do logo da Warner Bros. Pictures, nos conhecidos tons de verde que marcam a identidade visual da saga, tal temor foi esmaecendo. Para, após 148 minutos, sobrar um sentimento de alívio e agradecimento pela oportunidade de rever personagens tão queridos, de maneira tão satisfatória.

Imperdível.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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