Crítica: “Elvis”

Em especial nos últimos anos, a indústria cinematográfica tem realizado produções do gênero biografia musical com uma qualidade ímpar. Se em 2018, Rami Maleck tomava as telas como Freddie Mercury em “Bohemian Raphsody” e em 2019, Taron Egerton brilhava (literalmente) como Elton John em “Rockteman”, agora é a vez de Austin Butler em “Elvis”, impressionar o público com sua representação daquele que é, por muitos, considerado o “Rei do Rock”.

A narrativa nos mostra a vida de Elvis Aaron Presley desde o início de sua bem sucedida carreira, intercalando com flashbacks de sua infância e pré-adolescência, que ajudam a explicar seu gosto musical e trejeitos no palco.

Nascido em Tupelo – Mississipi, aos 13 anos, o jovem muda-se junto aos pais, Vernon (Richard Roxburgh) e Gladys (Helen Thomsom), para um bairro segregado na cidade de Memphis, no estado americano do Tennessee, onde teve acesso, desde cedo, ao que há de melhor na cultura afro-americana, vendo de perto nomes influentes no cenário musical como Sister Rosetta Tharpe (Yola), Big Mama Thornton (Shonka Dukureh), B. B. King (Kelvin Harrison Jr) e Little Richard (Alton Mason).

Dirigido por Baz Luhrmann (que também atua como roteirista junto a Craig Pearce), o filme tem como narrador, o empresário de Elvis, Coronel Tom Parker (Tom Hanks em atuação que, assim como a de Butler, deve ser lembrada na próxima temporada de premiações), responsável por apresentar Elvis ao mundo, mas também um dos nomes diretamente ligados à sua derrocada.

Acompanhamos a trajetória do rapaz e sua transformação em uma das maiores estrelas da música de todos os tempos, em uma espiral que, quanto mais florescente, mais sufocante, representada de forma magistral em uma sequência que toca em loop um trecho de um dos clássicos do cantor, cuja letra ganha outra conotação triste e profunda, mas totalmente coerente com o que vemos em tela.

Sua jornada no cinema (com ambições de se tornar um ator dramático), a coleção de êxitos na forma de shows, premiações, recordes e vendas expressivas de discos (e todo tipo de artefatos temáticos), a interrupção do arco de sucesso após a morte de sua mãe e o alistamento no Exército, o casamento com Priscilla Beaulieu (Olivia DeJonge), o nascimento da filha Lisa Marie, a retomada do caminho para se reencontrar nos espetáculos, a crença cega em quem o apunhalava pelas costas, o divórcio, o vício em álcool e remédios, a morte prematura. Tudo condensado em 2h39, de maneira a conduzir o público em uma viagem repleta de nostalgia e emoção.

Se a carreira de Elvis é o óbvio destaque do longa, seu pano de fundo é a rígida política da época, que tinha a censura (muitas vezes calcada em preceitos religiosos extremistas) como base – e contra a qual os icônicos movimentos pélvicos do artista nos palcos iam de encontro. Assim como a inaceitável segregação racial, tão bem explicada por B. B. King em uma frase que pode ser conferida no trailer oficial.

Falando sobre a ótima trilha sonora, esta, é claro, conta com o que há de melhor na história do astro. A decisão de mesclar a voz de Austin Butler a de Elvis mostra-se um grande acerto. Entre composições inéditas e remixes, nomes como Doja Cat, Enimen,  CeeLo Green, Tame Impala e Måneskin também se fazem presentes.

Quanto ao visual, além da riqueza de detalhes para emular décadas passadas – através de uma cenografia adequada e figurinos impecáveis – é nítida a progressão na brilhante atuação de Austin Butler, conforme Elvis envelhece. Graças a uma excepcional maquiagem (e à exibição de trechos reais de uma apresentação), a fase em que o protagonista já não ostenta sua boa forma é a que mais impressiona. Assim como a entonação vocal, a movimentação física e o sotaque, tão característicos do cantor e tão bem interpretados pelo ator.

Em dado momento, Elvis, à beira dos 40 anos, explana a ex-esposa Priscilla, seu temor por não ter feito nada de duradouro na vida. Décadas depois, ouvindo seus grandes sucessos enquanto escrevo esse texto, espero que ele – em algum momento antes de seu destino final rumo à Pedra da Eternidade – tenha conseguido sentir o quanto continuará brilhando, cada vez que alguém, espontaneamente, se pegar cantando algum trecho de suas músicas – o que, assim como ocorreu no término da Cabine de Imprensa, também deve acontecer agora que a produção entrou em cartaz no Brasil.

É agora ou nunca. Calce seus sapatos de camurça azul e corra para os cinemas.

por Angela Debellis

*Texto publicado originalmente no Site A Toupeira.

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